Blog do Paulo Schiff

Ideias e Opiniões sobre o cotidiano.

Arquivo para o mês “abril, 2012”

Números de guerra no trânsito

Em 2010, o número de mortos em acidentes de trânsito no Brasil superou 40 mil. 40 610 para ser exato. Se é que dá para ser exato nesse quesito. É impossível saber se todas as mortes que não aconteceram no local do acidente mas depois, em conseqüência dele, estão contabilizadas.

Houve uma época em que a CET de Santos divulgava uma estatística de óbitos de ciclistas na cidade e a Associação de Ciclistas contabilizava uma quantia 3 vezes maior. Faz dez anos. E o motivo da diferença era justamente esse: a CET não acompanhava os feridos que vinham a morrer depois, no hospital.

40 mil mortes em acidentes de trânsito é um número absurdo. Nos conflitos super-violentos entre israelenses e palestinos, por exemplo, o número não chega nem perto disso.

As mortes nas ruas, avenidas e rodovias brasileiras em um ano têm a mesma ordem de grandeza das da Guerra do Iraque.

E as pesquisas mostram que de cada 100 acidentes, menos de 10 são provocados por defeitos nos automóveis ou más condições das pistas. Mais de 90 acontecem por imprudência, imperícia ou excesso de velocidade.

O problema está atrás do volante.

São 111 mortes por dia, em média. Só para usar uma referência, em dois dias esse número já é maior que o de vítimas do acidente aéreo com o Airbus da TAM em 2007, o maior da história do Brasil.

Muitos desses acidentes têm participação importante da bebida alcoólica. O relaxamento das blitze da Lei Seca é apontado como um dos fatores desse recorde.

Cada uma dessa mais de 40 mil mortes levou luto e tristeza a familiares, amigos, colegas das vítimas. Muitas vezes esses sentimentos tiveram a companhia da revolta contra motoristas embriagados.

E a sensação que se tem é de passividade. Vamos para o trânsito como o boi vai para o matadouro. Como se essa guerra das ruas, avenidas e rodovias fosse natural e inevitável.

Não é. Nem natural. Nem inevitável.

O natural é que não houvesse nenhuma morte dessas. 40 mil, é absolutamente inaceitável.

Desgaste e sacrifício

Pep Guardiola não é mais o treinador do Barcelona. A saída dele faz a gente pensar em duas coisas: desgaste e sacrifício. As duas estão quase onipresentes nas relações atuais. Tanto as profissionais quanto nas pessoais.

As reportagens sobre a saída de Guardiola destacam os números: 13 títulos em quase 4 anos. O treinador mais vitorioso da história do centenário clube catalão. Que não é uma história qualquer. O Barcelona foi comandado, entre outros, pelos lendários Rinus Mitchels e Joanhan Cruyff.

Se dependesse dos jogadores, Guardiola ficava. Se dependesse dos torcedores, também. E se a decisão coubesse aos cartolas também seria a do “fico”. Mas o treinador saiu.

Saiu desgastado. E disse que esse desgaste é inevitável.

Não foi por falta de identificação. Pep Guardiola passou por todos os estágios no Barcelona: gandula, jogador da base, jogador profissional e treinador da base até chegar ao cargo.

O desgaste é natural em qualquer função. E em qualquer relação. E nessa época pontuada pela ansiedade, a paciência para lidar com ele é cada vez menor. Esse, um dos fatores das tantas separações conjugais. E das tantas mudanças de empresas nas carreiras profissionais.

Guardiola disse também que a vida não é só futebol. Está se referindo ao sacrifício. À desumana dedicação que se exige de um profissional de ponta. É evidente que é um sacrifício bem remunerado. Mas compensa? O cargo de treinador atropela a vida pessoal. Viagens, entrevistas, fotografias, autógrafos… A família em quinto plano. Nas horas em que não está trabalhando, um profissional como Guardiola está assistindo a partidas de futebol dos futuros adversários. Lendo livros sobre estratégias. Analisando relatórios de olheiros e de assessores.

Numa passagem do filme Tróia, o herói Aquiles, em dúvida sobre ir à guerra, conversa com a mãe, a semi-deusa ninfa marinha Tétis. Ela profetiza a morte dele. E diz que se ele se dedicar à família, vai ser lembrado só pelos filhos e netos, talvez pelos bisnetos. Se quiser inscrever o nome na história e ser lembrado para sempre, deve esquecer da família.

A trajetória vitoriosa de Guardiola, impregnada de desgaste e do cansaço provocado pela dedicação integral, lembra um pouco esse diálogo.

E não é só Guardiola. Conciliar a vida pessoal e a profissional se torna cada vez mais difícil para CEOs, executivos, empresários, políticos, artistas, atletas…

Palavras novas

O dinamismo da linguagem traduz as mudanças de comportamento. Tanto o individual quanto o coletivo.

A utilização da expressão mobilidade urbana, por exemplo, ainda não tem dez anos. Justamente o período em que os deslocamentos dentro da cidade se complicaram. Excesso de veículos é outra expressão recorrente do mesmo fenômeno.

Reflorestamento. Tenho certeza que o meu avô – e o seu – levantaria os olhos do jornal, sobrancelhas erguidas, se ouvisse essa palavra. Houve época, em que as florestas não eram tão devastadas. E a recuperação delas, espontânea.

Ainda dentro do desmatamento e da sustentabilidade, ganha força a expressão agronegócio. Parece mais elegante, abrangente e moderno que lavoura e criação de gado, não parece?

No Congresso Nacional, ambientalistas duelam com ruralistas. A sustentabildade se apresenta como adversária da modernidade do agronegócio.   

E tabagista? Você lembra dessa palavra na década de 90? Parece filhota da guerra ao cigarro. Talvez tenha sido colocada na moda pelo tucano José Serra, o anti-tabagista número 1.

Tabagista não chega perto da conotação de drogado. Mas o cigarro e a bebida já vêm, faz tempo, sendo rotulados de drogas lícitas.

E cracolândia? A palavra lembra uma disneylândia às avessas. O horror dos horrores. E se espalhou com a mesma velocidade que a droga.

Algumas palavras novas vêm da informática. Digitar, deletar. Já acontecia com equipamentos pré-informática. Frisar, por exemplo, tem o significado de congelar a imagem porque a tecla, nos equipamentos importados, vem com a palavra inglesa “freeze”.

Algumas expressões sobrevivem às novas tecnologias. “Cair a ficha”, por exemplo. Ninguém usa mais ficha de telefone. Mas continua usando a comparação para definir uma percepção mais demorada: “Até que enfim caiu a ficha”.

Preservativo, protetor solar, skatista…

Fica pra você, leitora / leitor, completar essa lista

Decadência sem elegância

“Quanto mais eu rezo, mais assombração reaparece”.

Muita gente teve essa reação ontem. O ressurgimento no primeiro plano de Fernando Collor, surfando na CPI Cachoeira, é tétrico.

À vontade diante de câmeras e holofotes, o ex-presidente exibiu a velha arrogância. A elegância formal do discurso, palavras cuidadosamente escolhidas, não esconde a deselegância das idéias. Mais que deselegância, anacronismo, falta de sintonia com a época atual.

Collor parece ter parado no tempo e ficado remoendo mágoas nestes 20 anos desde que renunciou para escapar do impeachmeant. Os cabelos estão grisalhos, mas a voz é a mesma…

E deve estar curtindo muito a condição atual: de acusado a acusador.

Nas entrelinhas, a fala collorida é a de responsabilizar os meios de comunicação pelo episódio da queda espetacular do primeiro presidente eleito pelo voto direto da pós-ditadura. Menos de 3 anos depois da euforia da eleição, envolvido em uma série interminável de acusações de corrupção, Collor saiu do Palácio enxotado por uma multidão de adolescentes com as caras pintadas que brotavam em todas as praças e avenidas do país.

Agora o discurso é “impedir certos meios de veicular notícias falsas ou manipuladamente distorcidas”. E de “não deixar que a agenda da CPI seja pautada pelos meios de comunicação e alguns de seus rabiscadores”.

Operação Uruguai, reforma da casa da Dinda, compra de uma perua Elba, tudo isso poderia ter ficado na lata de lixo da História. Mas o eleitor de Alagoas devolveu Collor para Brasília.

Fantasmas não faltam. Entre a renúncia e as entrevistas de ontem houve a morte pessimamente explicada de PC Farias, o amigo de fé, irmão camarada e arrecadador furtivo. E uma entrevista da ex-primeira-dama, Rosane, agora separada dele, em que são descritos inacreditáveis sacrifícios de animais em rituais de magia negra num porão vizinho à residência do casal em plena época da presidência.

Você conhece alguma decadência com menos ellegância?

Enfim uma política portuária

Nos últimos cinco anos o governo federal olhou com mais atenção para os portos brasileiros. Esse foco se deve principalmente à criação da Secretaria Especial dos Portos, em 2007, no início do segundo mandato do presidente Lula. Até ali, as questões portuárias, específicas, de conhecimento restrito a uma comunidade de empresários e trabalhadores do setor, ficavam em segundo plano. Na frente das imagens de navios, portêineres e estivadores operando empilhadeiras, ficavam, no Ministério dos Transportes, as rodovias, os metrôs, as ferrovias, os aeroportos e todos os outros modais mais familiares a deputados, ministros e presidentes da República.

Nestes cinco anos, entretanto, as imagens dos portos – e dos problemas portuários – ganharam nitidez. Percebeu-se, por exemplo, que a movimentação de cargas cresceu quase 70% em 10 anos, de maneira espontânea, com pouquíssimos projetos de ampliação da infra-estrutura já existente.

Percebeu-se também, no governo federal e nos estaduais, algumas questões essenciais como a deficiência da infra-estrutura de acesso aos portos, a necessidade de escala para algumas operações, a importância da dragagem e também as diferenças nos modelos de concessão tanto de portos quanto de terminais.

Nesse cenário, 2012 vai ficar marcado como o ano em que essa visão amadureceu. E em que algumas ações de planejamento das quais os portos brasileiros sentiam carência há várias décadas foram decididas.

Em outras palavras, vem aí uma série de medidas para o setor portuário, um “pacote” como se define nos meios de comunicação. O embrião de uma política portuária nacional.

Foi encomendado um Plano Nacional de Logística Portuária para que todos esses elementos fossem catalogados e colocados sobre a mesa com a real dimensão de cada um.

Brotou daí uma série de providências com um denominador comum bastante claro: o de que é necessária a formulação dessa política e a de que essa é uma atribuição federal.

No caso dos terminais com contratos anteriores a Lei de Modernização, de 93, e que estão no final da segunda prorrogação de 10 anos permitida, a determinação da presidente Dilma para a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq – foi clara: licitação. Em Santos, algumas áreas bastante cobiçadas, como a da Rodrimar e a da Termares entram nessa lista de 98 terminais.

No caso de portos administrados por estados ou municípios, esse norteamento político também está presente na preparação do pacote: a determinação da presidência é a de uma renegociação para que as administrações passem a ter mais participação de representantes do governo federal. Entra nessa relação de 15 portos o de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, hoje administrado pelo governo paulista.

A terceira diretriz é a da concessão de novos portos. A Advocacia Geral da União olha com atenção o empreendimento do Açu, no Rio de Janeiro, do empresário Eike Batista que se enquadra na categoria de terminal privativo para movimentação predominante de carga própria. Mas que tem dimensão de porto. As novas concessões podem sair na linha dos leilões bem-sucedidos de aeroportos: com o critério de maior outorga para definição da empresa ou do consórcio vencedor.

Escolhas

A publicidade exibe uma criatividade crescente. Os anúncios de televisão se descolaram da realidade e mergulharam na fantasia. Em muitos casos o intervalo comercial apresenta atrações mais interessantes que a programação.

Num anúncio desses aparece uma mulher de costas. Aí a mão de alguém invade a tela. E num toque do tipo daquele de aproximar ou afastar a imagem em câmera fotográfica de celular touch, engorda a mulher. Se me lembro bem, também diminui a altura dela.O gritinho de horror, na seqüência, é totalmente real. Seria exatamente essa a reação de qualquer garota engordada daquele jeito.

Não lembro de que produto é aquele anúncio. Mas nessa altura já ganhou a minha simpatia.

Outro que engorda como um balão antes de dar uma tacada no jogo de  sinuca é o que toma a cerveja errada. O barulhinho que acompanha essa inflada preenche exatamente a expectativa: FLOP!

O mecanismo de escolha no supermercado está baseado, cada vez mais, nessa emoção que a publicidade transmite.

Saem de cena a qualidade, o preço, a durabilidade, a eficiência e entra a fantasia.

Se a gente sair da escolha de produtos e entrar na decisão eleitoral, será que é tão diferente?

Três dos  candidatos mais votados para deputado em São Paulo em 2010: Tiririca, Gabriel Chalita e Maluf.

Milhares de eleitores fizeram essas escolhas. Será que tem alguma racionalidade nisso?

Por que Tiririca? Por que pior do está não fica? Por que Maluf? Por que apesar de todas as evidências, ele pelo menos faz? Por que Chalita? Pelos livros? Pelo sorriso?

Escolhemos produtos e candidatos pela sensação e não pela razão.

E quando eles não atendem as expectativas que a gente cria, decepção e reclamação.    

O problema é que a expectativa navega no inconsciente. Mas a decepção, essa é na vida real.

Hesitação

No Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, há um verso sobre a hesitação:

A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final”.

A definição é tão instigante quanto aquela outra, mais conhecida, do poeta português:

Navegar é preciso, viver não é preciso”.

A precisão, neste verso, para muitos analistas, deve ser entendida como exatidão e não como necessidade. Para navegar é possível estabelecer a rota pelos instrumentos. Os portugueses têm tradição de excelência nessa arte. E para viver? Que instrumento está à disposição além da imprecisa experiência do já vivido e da mais imprecisa ainda intuição do que está por viver?

Daí a hesitação. Natural. A exclamação pode vir do espanto, da admiração, da surpresa, da decepção. A interrogação pode vir da dificuldade de compreensão e da bifurcação do caminho. Entre as duas, Fernando Pessoa coloca a hesitação.

A hesitação é companheira natural de quem escolhe. Porque a escolha implica perdas e ganhos. O instinto busca uma opção que traga ganhos visíveis e perdas desprezíveis. Mas quase sempre isso é só uma ilusão. Os ganhos muitas vezes não são tão notáveis. E as perdas, quase sempre, consideráveis.

Na dúvida, há um ponto final” define o grande poeta da Língua Portuguesa.

Talvez se refira à dúvida que paralisa e não permite escolha. Como escolher, entre dois filhos, um que deva morrer para que o outro continue vivendo, como teve de fazer a Sofia da mais triste de todas as escolhas?

A vida apresenta escolhas permanentes. Todas elas implicando perdas. Todas elas significando renúncias de todas as outras possibilidades.

A hesitação traduz a dificuldade de perder. De renunciar.

E abre espaço para discutir prudência e ousadia. Quando a hesitação é prolongada, sintoma de prudência exagerada, traz embutida o risco da perda da oportunidade.

Há escolhas que exigem decisão rápida. Às vezes até para salvar a vida ou preservar a integridade num incidente.

Hesitação na medida certa… hesitação prolongada…

Quando existe um objetivo mas não existe o roteiro para chegar a ele, o nome desse roteiro passa a ser hesitação, já definiu a filosofia.

Royalties: as migalhas do banquete

A questão dos royalties do petróleo está sanduichada na Câmara Federal. Antes dela na pauta, um “esforço concentrado” iminente para votar um punhado de Medidas Provisórias. Como limite de prazo, o início para valer do calendário eleitoral, em julho. Depois tem de ser sacramentada no Senado antes do final de dezembro para poder vigorar no ano que vem.

Para o litoral paulista, a tendência política em andamento pode representar um desastre tributário.

Os royalties do petróleo são cobrados das empresas que exploram as reservas brasileiras. Pela legislação atual, 40% do total vão para a União. Estados e municípios produtores ficam com 22,5% e 30% respectivamente.

Por que os produtores recebem? Por causa de gastos adicionais com infra-estrutura e prevenção de acidentes ambientais.

Dos quase R$ 13 bilhões arrecadados no ano passado em royalties de petróleo e gás, a maior parte distribuída ficou com o Rio de Janeiro. A produção atual está muito concentrada na Bacia de Campos.

Macaé, por exemplo, vem recebendo sempre mais de R$ 300 milhões por ano. No litoral paulista, em 2011, São Sebastião, que tem desembarque de petróleo, é o município que mais recebeu: R$ 78 milhões. Cubatão (refinaria), Bertioga (poço de Merluza) e Ilhabela ficaram cada uma com cerca de R$ 30 milhões.

Esse montante vai chegar perto de R$ 30 bilhões em 2020 quando o pré-sal estiver bombando na Bacia de Santos. Só que essa outra fatia do bolo, pela tal tendência política, deve ser distribuída por outros critérios.

Quem já recebe, conserva o que ganha. E os novos royalties seriam distribuídos para todos os estados e municípios e não mais só para os produtores.

Essa distribuição pulveriza os royalties. Cada um passa a receber uma migalha. Inclusive os novos produtores: Estado de São Paulo e municípios do litoral paulista.

O castigo é ainda mais cruel porque os índices a serem utilizados seriam os da redistribuição de impostos federais: Fundo de Participação dos Estados – FPE – e Fundo de Participação dos Municípios – FPM. São Paulo contribui com 44% do bolo dessa arrecadação e recebe 1% do FPE. E os 9 municípios da Baixada Santista, que arrecadam quase 2% do total de impostos federais, recebem menos de 1% do FPM.

 É verdade que o Senado, por determinação do Supremo, tem de estabelecer nova regra para FPE e FPM antes do final do ano. Pode acontecer até de não haver repasses em 2013 porque esse critério atual, pela decisão do STF, não vai valer mais. Mas isso é só um pontinho a mais para aumentar essa confusão toda.

Dengue 4 e meningite

Santos já identificou neste ano 4 pessoas infectadas com o vírus tipo 4 da dengue. A ameaça de uma nova epidemia já assusta. A contaminação pode seguir o padrão asiático, segundo os infectologistas. Atinge principalmente jovens ainda não infectados nas epidemias anteriores. O vírus tipo 4 tinha sido identificado no ano passado pela primeira vez em território paulista.

A dengue nova e mais alguns casos de meningite em São Vicente e Praia Grande além de preocupar as autoridades sanitárias e a população, podem também prejudicar seriamente a imagem turística da região. 

Nocaute ou UTI?

A aprovação de Dilma Roussef bate em 64% e estabelece um recorde para o período de 15 meses de mandato de presidente no Brasil pós-ditadura. De cada 100 brasileiros, 64 avaliam o governo dela como ótimo ou bom.

Algumas observações devem ser feitas em relação a essa avaliação.

A primeira delas é que a tal faxina no ministério deu polimento na imagem da presidente. Os ministros foram escolhidos por ela, embora a herança de Lula seja clara. Muitos deles foram apanhados em irregularidades, malversações e roubalheiras: Alfredo Nascimento, Antonio Palocci, Wagner Rossi, Orlando Silva, Pedro Novaes… Um recorde, também, só que negativo. Caíram. E a lama não respingou nela. Continuou com o vestido limpinho.

Outra observação importante é que o estilo dela é oposto ao de Lula. Um, falastrão. Dava palpite sobre religião, ciência, meteorologia… tudo. Adorava um fotógrafo, um cinegrafista, um microfone. E tinha altos índices de popularidade. Outra, discreta, alcança índices de aprovação ainda maiores. Isso mostra que a receita não está no estilo pessoal. No tal carisma.

Também deve ser observado que historicamente a satisfação com o desempenho da economia está diretamente relacionada à imagem presidencial. E até de governadores e prefeitos. Sarney teve 88% de aprovação antes do naufrágio do Plano Cruzado.

O desempenho ruim de projetos não interfere tanto quanto se imaginava. O PAC, filho de Dilma, recebe todo tipo de crítica e ironia e não arranha a imagem dela. As obras atrasadas da Copa, menos ainda.

Outro fator forte para impulsionar a simpatia de Dilma com o eleitorado é a briga pela redução dos juros. Trata-se de uma iniciativa inédita num campo que afeta o cotidiano de quase todos os brasileiros. Quem é que não tem um crediariozinho?

Par finalizar, vale acompanhar as análises dos especialistas sobre o efeito desse número na oposição demo-pepessista tucana. O único ponto de divergência é se Aécio Neves e Cia foram a nocaute ou se estão na UTI.

A gente ainda não vê por aqui

Domingo de manhã. Pouco antes das nove. Chove em Santos. Chove forte. Um Kia Soul preto, novinho, estaciona numa vaga do Santa Marta, na esquina do Canal 3 com a Azevedo Sodré. Placa EYT 1675. O motorista dá uma corridinha e vai tomar o café da manhã numa das mesinhas que ficam na entrada do supermercado. Tranqüilo. Aproveita para dar uma olhadinha no jornal.

A cena não tem nada de extraordinário. A não ser por dois detalhes:

1) A vaga em que ele estacionou tem uma placa bem grande indicando que é exclusiva para portadores de deficiências.

2) O carro ficou mais ou menos meio metro sobre a já estreita calçada.

Nos vidros do Kia preto, nenhum adesivo indicando um portador de deficiência. O motorista deu uma corridinha para escapar da chuva, lembra?

Numa só atitude, pequena por sinal, ficam traduzidas algumas das grandes questões do país:

1) A cultura, ainda sobrevivente, de querer levar vantagem em tudo. A vaga só está desocupada porque outros motoristas mais conscientes respeitaram a destinação dela. A poucos metros dali havia espaços na avenida para estacionar o carro.

2) O jeitinho. O motorista certamente pensou: “É só um minutinho. Daqui a pouco eu já vou embora”.

3) O desrespeito à regra estabelecida. É a mesma atitude de quem atravessa o semáforo no vermelho (“Não vinha ninguém”). De quem desrespeita o limite de velocidade e depois tenta subornar o policial ou agente de trânsito. De quem fuma onde não pode (“Não estou incomodando ninguém”). E por aí vai.

4) Pior que isso tudo é atropelar o direito dos portadores de deficiência.

Não há nada pessoal contra esse motorista. Mesmo porque ele tem muita companhia nesse tipo de procedimento.

O problema é bem maior. É cultural. O nível de evolução de uma sociedade é avaliado entre outras coisas pelo respeito às regras que a própria sociedade estabelece. E pelo cuidado com crianças, idosos e… portadores de deficiência.

Tem um anúncio institucional na televisão que diz:
”Cidadania. A gente vê por aqui”.

Vê mesmo?

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