Blog do Paulo Schiff

Ideias e Opiniões sobre o cotidiano.

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A náusea e o desânimo

Recebo pela internet uma crônica de Arnaldo Jabor com o título A Náusea. Jabor relaciona uma série de coisas que ele não aguenta mais: do Lula que nunca sabe de nada ao Sarney que sempre manda em tudo; das balas perdidas que sempre acertam em crianças ao trem-bala de bilhões que atropela hospitais e escolas falidos.

Essas e outras coisas que estão todos os dias nos jornais e estão na lista do Jabor provocam mesmo náusea. E desânimo. Ele expressa isso. De que adianta reclamar, escrever, espernear, acusar?

Terminada a leitura, a náusea e o desânimo tendem a contaminar o leitor.

O antídoto é ingênuo. Mas existe. Está naquela história antiga de que se você melhorar um pouquinho amanhã, o mundo também vai amanhecer melhor.

Tem um ponto-chave no texto do Jabor que é esse:

“Não aturo a dúvida ridícula que assola a reflexão política: paralisia x voluntarismo, processo x solução, continuidade x ruptura”,,,

A evolução social é processo. Não tem um botão de delete, como no computador, para fazer sumir na hora a cara-de-quem-não-sabe-de-nada do Lula ou o abuso de poder secular do Sarney.

Já foi pior. Já houve censura e arbítrio para encobrir a violência e a roubalheira que hoje pelo menos são denunciadas. Muitos lutaram para que Jabor pudesse estar expressando livremente o pessimismo impregnado nele.

Num dos livros de Monteiro Lobato, uma formiga diz para a boneca Emília que não consegue entender como pode ser feliz um ser humano com tanta infelicidade à volta dele.

Uma das melhores respostas a essa questão central, talvez a única, seja a mobilização para transformar essa situação.

Uma das piores, talvez a mais improdutiva, é cruzar os braços e deixar como está para ver como é que fica.

Moderno x Arcaico

O abismo entre o novo e o velho na vida pública do país ficou mais escancarado nesta semana.

Num primeiro episódio, o ministro Luiz Fux, do Supremo, enfiou goela a baixo do presidente do Senado, José Interminável Sarney (PMDB-AP), o regimento do… próprio Congresso. Sarney tentou no melhor estilo dele, pautar com regime de urgência, por baixo do pano, o veto da presidente Dilma a alguns artigos da nova lei dos royalties do petróleo. Fux concedeu liminar suspendendo a sessão porque 3059 vetos estavam na fila e não podiam ser atropelados por aquele que interessava ao senador amapá-maranhense.

O próprio Fux também tinha interesse pessoal na história porque é do Rio de Janeiro, estado que seria o mais prejudicado pela derrubada do veto. E também porque chegou ao Supremo com um empurrãozinho político do governador de lá, Sérgio Cabral.

Sarney ainda tentou uma manobra que mistura cara-de-pau e prepotência: votar 3059 vetos de uma tacada só. Coisa de República Velhíssima. Não prosperou.

No outro episódio, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), lançou um balão de ensaio tosco. Como se estivesse na década de 60 ou 70, em plena ditadura militar, ameaçou dar asilo político no prédio do Congresso para os deputados ameaçados de prisão por causa do mensalão.

Algumas lideranças do PT já tinham tentado articular um “desagravo” nacional a José Dirceu e alguns outros condenados pelo mensalão. Desistiram porque alguns dias antes estourou o mega-escândalo dos “Bebês de Rosemary”.

Não que o Supremo seja uma Brastemp de modernidade. Mas tem mostrado, como nesses dois episódios, o lado guardião da lei, como exige a sociedade do século 21. Marco Maia e Sarney ainda estão na época do “jeitinho” e do “sabe com quem está falando?”.

Mensalão

Três pontos chamam particularmente a atenção nos desdobramentos do mensalão:

  1. O oito ou oitenta. O ataque levanta a tese de que se trata do mais atrevido esquema de corrupção da história do país. Usa o termo quadrilha. A defesa diz que não existiu, que se trata de uma farsa, que foi tentativa de golpe.

  2. A posição de ministro-relator Joaquim Barbosa e do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Os dois foram colocados nos cargos pelo ex-presidente Lula. Mesmo assim, estão entre os mais incisivos acusadores .

  3. O desembaraço com que Lula se movimentou para evitar a possibilidade de condenação dos réus. Indecente.

No primeiro ponto, o das teses extremas, quadrilha ou farsa, é importante observar que a versão atual dos envolvidos foi construída num segundo momento. Na explosão do escândalo, a cúpula do PT despencou dos cargos e o então presidente Lula pediu publicamente desculpas ao país. Num segundo momento, depois de Lula ter reconstruído a base política, é que essa versão da negação foi articulada. Tem credibilidade zero. Parece jogar para o público mais desinformado e tentar tapar o Sol com uma peneira esburacada.

Quanto à posição de Barbosa e Gurgel, indicações de Lula, no cenário de toma-lá-dá-cá e de cinismo que predominou na política nacional dos últimos anos (José Sarney, Jader Barbalho, Renan Calheiros etc..) representa uma agradável surpresa.

Ambos aparentam tanto motivações internas quanto uma certa impermeabilidade a pressões. mesmo muito fortes.

Na movimentação de Lula estão simbolizadas essas pressões. O ex-presidente andou visitando ministros do Supremo no primeiro semestre e houve até uma denúncia séria de Gilmar Mendes nesse sentido. Pelo menos um resultado horroroso essa pressaõ de Lula produziu, que é a decisão de Dias Toffoli de participar do julgamento mesmo contra todas as evidências de vínculo pessoal e profissional dele e da mulher dele com alguns réus.

A única palavra que cabe aí é novamente “indecente”.

Lei Grecin

O articulista Marcelo Coelho acha que haveria “um grande passo para a evolução política se, ao lado da Ficha Limpa, viesse a Lei Grecin, tornando inelegíveis os usuários do produto.”

Sábia observação. Lembro de uma discussão política lá das antigas, ainda no século passado, em que um deputado disse ao outro:

“Excelência, que valor tem a palavra de alguém em quem não se pode confiar nem na cor dos cabelos?”.

Na época pegou mal para o acusado de tingir as mechas. Mas de lá para cá as excelências com cabelos inconfiáveis se alastraram que nem praga.

Tem mesmo um efeito estranhésimo olhar para um político de cabelo acaju, tom de tintura preferido por 9 de cada 10 pilantras da política.

O problema que se apresenta em relação a essa saudável idéia de uma Lei Grecin é a regulamentação dela. Muito complexa.

Mulheres, por exemplo. Quase todas as maiores de 40 pintam. A lei valeria só para homens? Seria uma discriminação. A Lei Grecin, se extensiva às mulheres, praticamente eliminaria a participação feminina na política… Dilma não poderia se reeleger.

Isso levanta outra questão. A lei teria efeito retroativo? Ou seja, quem já usava tintura antes poderia continuar? Sarney está acaju desde o tempo dos faraós…

E já que se falou em Sarney: bigodes também devem ser incluídos na Lei Grecin? A regulamentação tem de ser cuidadosa. Estamos lidando com políticos. Proibiu bigodes, eles vão usar costeletas, cavanhaques… tudo grecinizado.

Tem também o caso dos que pintam o cabelo por outros motivos. Surfistas parafinados, seguidores das manias do Neymar… Será que a lei deveria permitir pinturas que não se destinam à torpe finalidade de mascarar a a idade? Abre um precedente perigoso. Alguns casos certamente chegariam ao Supremo. Onde, por sinal, também tem simpatizante de uma tinturazinha de cabelo…

E o mais importante: a Lei Grecin, para o bem da nação, deveria ser rigorosa com cabelos transplantados. Proibição absoluta. Transplantou, cassação perpétua de direitos políticos. É o mínimo para esse atentado hediondo ao bom-gosto.

Pena que a chance de aprovação no Congresso de uma lei dessas é nula: seria a extinção do PMDB. 

Nocaute ou UTI?

A aprovação de Dilma Roussef bate em 64% e estabelece um recorde para o período de 15 meses de mandato de presidente no Brasil pós-ditadura. De cada 100 brasileiros, 64 avaliam o governo dela como ótimo ou bom.

Algumas observações devem ser feitas em relação a essa avaliação.

A primeira delas é que a tal faxina no ministério deu polimento na imagem da presidente. Os ministros foram escolhidos por ela, embora a herança de Lula seja clara. Muitos deles foram apanhados em irregularidades, malversações e roubalheiras: Alfredo Nascimento, Antonio Palocci, Wagner Rossi, Orlando Silva, Pedro Novaes… Um recorde, também, só que negativo. Caíram. E a lama não respingou nela. Continuou com o vestido limpinho.

Outra observação importante é que o estilo dela é oposto ao de Lula. Um, falastrão. Dava palpite sobre religião, ciência, meteorologia… tudo. Adorava um fotógrafo, um cinegrafista, um microfone. E tinha altos índices de popularidade. Outra, discreta, alcança índices de aprovação ainda maiores. Isso mostra que a receita não está no estilo pessoal. No tal carisma.

Também deve ser observado que historicamente a satisfação com o desempenho da economia está diretamente relacionada à imagem presidencial. E até de governadores e prefeitos. Sarney teve 88% de aprovação antes do naufrágio do Plano Cruzado.

O desempenho ruim de projetos não interfere tanto quanto se imaginava. O PAC, filho de Dilma, recebe todo tipo de crítica e ironia e não arranha a imagem dela. As obras atrasadas da Copa, menos ainda.

Outro fator forte para impulsionar a simpatia de Dilma com o eleitorado é a briga pela redução dos juros. Trata-se de uma iniciativa inédita num campo que afeta o cotidiano de quase todos os brasileiros. Quem é que não tem um crediariozinho?

Par finalizar, vale acompanhar as análises dos especialistas sobre o efeito desse número na oposição demo-pepessista tucana. O único ponto de divergência é se Aécio Neves e Cia foram a nocaute ou se estão na UTI.

De surpresa em surpresa…

Coisas inéditas tem acontecido nesses últimos tempos no Brasil. Inéditas é até uma palavra fraca para definir essas “acontecências”. Surpreendentes. Inesperadas. Porque são algumas situações com as quais a comunidade já tinha até se resignado que estão sofrendo essas reviravoltas.

Uma delas é a questão dos juros. Os banqueiros sempre mandaram e desmandaram. Os juros sempre sugaram o sangue dos brasileiros de canudinho. O governo paga a taxa básica de juros mais alta do mundo para os portadores de títulos da dívida pública. A maior parte, nas mãos desses banqueiros.

E eles, na outra ponta, cobram os juros de mercado mais altos do mundo para empréstimos e financiamentos aos clientes.

Os bancos são grandes anunciantes de jornais, revistas e emissoras de rádio e de televisão. E patrocinam viagens de fantasia regadas a uísque escocês e champanhe francês para juízes e desembargadores.

Por isso é que é tão surpreendente que a presidente Dilma tenha tido coragem de enfrentar esse esquema todo-poderoso e forçado uma redução desses juros.

É da presidente Dilma também outra iniciativa espantosa que é a de enxotar do Palácio do Planalto os representantes atuais da turma encastelada no poder desde a chegada de Dom João VI ao Rio de Janeiro, no começo do século 19: Sarney, Renan, Jucá e Cia Ltda.

Outro espanto é a campanha do Corinthians na Libertadores. Primeiro colocado no grupo. Segundo melhor de toda a Copa até agora. Goleada no meio desta semana.

Nesse ritmo, de surpresa em surpresa, é capaz que as obras do VLT e da ligação seca entre Santos e Guarujá comecem…

Cabra macho

Se você é machista, nem vou fazer pergunta. Se você é feminista, também não. Mas se você é humanista:

Quem tem mais coragem: o homem ou a mulher?

Quando a gente pensa na coragem como aquela de entrar numa briga ou enfrentar uma guerra, cria uma ilusão de que o homem domina essa virtude.

Mas não é dessa coragem diante da violência que se está falando. As mulheres são menos violentas. Participam quase nada das brigas, das guerras, das atividades criminosas. A gangue das loiras constitui exceção nesse cenário masculino.

Acontece que nas últimas décadas, as mulheres têm derrubado preconceitos. Avançam no mercado de trabalho, nos cursos de graduação, na política. E algumas delas têm enfrentado situações diante das quais muitos homens vinham se omitindo, para não dizer se acovardando.

Não precisa ir longe e pegar exemplos como os da Dama de Ferro inglesa Margareth Tatcher ou da paquistanesa Benazir Butho que morreu assassinada.

Na década de 90, no Rio de Janeiro, uma juíza, Denise Frossard, mandou prender os barões do jogo de bicho e deu uma chacoalhada no crime organizado. Até ali, nenhum Capitão Nascimento tinha tido coragem de chutar a porta desse barraco.

Atualmente o país acompanha, com surpresa, as cruzadas da presidente Dilma.

Primeiro mandou tirar da sala os coronéis da política nacional-nordestina. Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros e Cia Ltda foram enxotados do núcleo do poder.

E não é que agora, para espanto geral da nação, a presidente peita o bando de banqueiros que sempre mandaram e desmandaram – discretamente – na vida do país?

Dilma mandou o Banco do Brasil e a Caixa Federal reduzirem agressivamente os juros dos empréstimos e financiamentos dos clientes. Botou pressão em cima dos Itaús e Bradescos da vida. E não quer saber de nhe-nhe-nhém. Sem medo de cara feia.

Nem FHC nem Lula compraram essas brigas…

Se Dilma segurar a bucha só nessas duas frentes, nem precisa de uma terceira. Quem vai lembrar que existia aquela história de cabra macho? 

O canalha polido

O senador Demóstenes Torres foi desmascarado em gravações telefônicas. A Polícia Federal investigava o contraventor Carlinhos Cachoeira. E descobriu nos grampos aplicados ao contraventor que Demóstenes faz parceria de bandalheiras com ele.

A safadeza do senador choca mais que a de gente como Renan Calheiros, Fernando Collor, José Sarney?

Choca.

No livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, André Comte-Sponville explica o porquê.

Demóstenes, que posava de defensor da ética na política, é o canalha polido.

Outros personagens podem ser perdoados com mais facilidade pelo mal que provocam: a fera, o selvagem, o bruto. O polido, não. Não tem desculpa.

Assim o corrupto moralista. Assim, o senador.

Ao acusar, ao denunciar, o acusador / denunciante está escrevendo um atestado de bons antecedentes. Eu acuso, eu denuncio porque sei que isso é errado. Mais que errado, é intolerável. Fica implícito que eu, acusador / denunciante, não faço isso.

Na verdade, não é bem assim. As pessoas que percebem o mal com muita  clareza e muita facilidade, muitas vezes têm essa percepção justamente em função de elas próprias estarem nessa sintonia maligna.

Devemos desconfiar sempre do moralista que vive com o dedo apontado na direção do nariz dos outros. Ele só consegue ver o mal. Porque essa é a freqüência em que ele está permanentemente sintonizado.

É melhor ensinar as virtudes do que condenar os vícios, escreveu o filósofo Spinoza. Mas para ensinar virtudes, tem um pré-requisito: conhecer esse tipo de força que age ou que pode agir. Como ensinar o que não se conhece?

Tem um outro detalhe: no caso de Fernandinho Beira-Mar, Maluf ou Sarney, ser apanhado em um novo malfeito é só mais uma mancha no leopardo. Não provoca impacto.

Com Demóstenes, não. Ele perde a referência. A única referência, que era a falsa aparência de virtude.

Tanto que ele mesmo já percebeu isso. Ao ser confrontado com as evidências apontadas pelas gravações, a reação dele diz tudo:

“Eu não sou mais o Demóstenes”.

Velhíssima República em xeque

Se a gente olha a movimentação política 2011-2012 em Brasília pelo varejo, parece mais do mesmo. Sai um corrupto, entra outro no lugar. Um partido fica rebelde, ganha uns carguinhos… e assim vai, Mas se o olhar abrange o atacado, percebe coisa nova no horizonte.

No pontual, o governo sofreu uma derrota dura no Senado. O nome indicado por Dilma para ser reconduzido à direção-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres, Bernardo Figueiredo, foi rejeitado. A presidente ficou brava.

A reação dela foi a de trocar o líder do governo. Deu uma justificativa fraquinha: rodízio. Ninguém acreditou. Saiu o senador Romero Jucá e entrou Eduardo Braga. Um peemedebista no lugar de outro.

Na Câmara, a liderança do governo também foi “rodiziada”. Sai Cândido Vaccarezza. Entra Arlindo Chinaglia. Um petista no lugar de outro.

O primeiro efeito colateral das mudanças, olhando pelo varejo, está na  perda do PR na base aliada. A bancada não é desprezível: 7 senadores e 40 deputados. O segundo sintoma de que a guinada é ampla e o golpe profundo, veio logo depois: Sarney voa para São Paulo para chorar pitangas maranhenses com um debilitado Lula.

Dilma, ao contrário de FHC, do próprio Lula e de todos os ex-presidentes eleitos, deu uma chacoalhada na antiquíssima estrutura de poder sustentada por fisiologismo, favorecimentos, propina e tráfico de influência.

Sarney não pediu socorro à toa. No ano passado, caíram 6 ministros acusados de malversações diversas. Tudo “gente nossa”, reclamou com Lula. Faxina no executivo. E nesta última semana, as mexidas são significativas. Eduardo Braga é  adversário/ inimigo de Alfredo Nascimento no Amazonas. E Chinaglia pode ser a pedra no caminho em direção à presidência da Câmara do oligarca Henrique Alves, filhote peemedebista de Sarney. Mais “gente nossa”, portanto, na linha de tiro.

A Velhíssima República, apoiada no tripé Renan Calheiros, José Sarney e Romero Jucá, nunca antes na história desse país tinha sido desafiada desse jeito. 

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