Blog do Paulo Schiff

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Baixaréu

Um grande escândalo – como um grande amor – também é constituído de pequenos detalhes.

O articulista Roberto Pompeu de Toledo, da Veja, sempre antenado, sacou muito bem o detalhe do código utilizado pelo bando de Dona Rosemary para se referir ao dinheiro resultante das operações fraudulentas. Não é nenhum dos mais de cem verbetes que os dicionários apontam para o significado da grana. Eles usavam as prestigiadas palavras “livros, exemplares, volumes e obras”. Sem a baixaria de bufunfa, gaita, cobre. Pode-se dizer que Rosemary e Seus Bebês, como a quadrilha ficou conhecida introduziram na ladroagem a linguagem refinada, erudita.

Mais interessante ainda, entretanto, é um erro de português que consta nos e-mails trocados entre Rosemary e os apaniguados dela.

O negócio era a compra de um diploma universitário para o marido da chefe do Gabinete da Presidência da República em São Paulo. O certificado falso era necessário para que Josè Cláudio Noronha, o ex-maridão, pudesse ser nomeado para o conselho de administração da Brasilprev, seguradora controlada pelo Banco do Brasil. A boquinha era boa e justificava plenamente o esforço. Por sinal bem-sucedido. O diploma foi obtido por Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas, preso sob acusação de liderar um grupo que fazia tráfico de influência no governo. Num dos e-mails, Rosemary pergunta qual será a formação do ex.

Baixaréu em Administração” responde Vieira em outro e-mail.

Perfeito.

Ficamos assim, então, a partir de agora: quem faz o curso e conquista o diploma de maneira legal continua sendo bacharel. Quem compra diplomas falsos, fica “baixaréu”.

O único problema para a aplicação dessa regra é que num grande número de faculdades por aí, que funcionam como autênticos estelionatos universitários, o diretor vai ficar em dúvida:

Bacharel ou “baixaréu”?

Bisbilhotagem eletrônica

Já tinha acontecido com José Dirceu. A movimentação politico/empresarial subterrânea dele tinha sido flagrada pelas câmeras do hotel em que ele se hospedava em Brasília. As pessoas que frequentavam o quarto que ele usava como escritório foram apresentadas em reportagem da revista Veja. O que era meio discreto, meio secreto, foi escancarado para o público.

A nova vítima dessa bisbilhotagem eletrônica é Ronaldinho Gaúcho. As aventuras afetivo/sexuais vividas no ambiente da “concentração” do Flamengo em hotéis se tornaram públicas pelo mesmo processo.

A mudança social que isso provoca é profunda. Uma revolução.

A imagem de Dirceu já era queimada, Mas era de eminencia parda. De articulador. Para quem leu a reportagem, ficou a de conspirador barato. A privacidade das negociações dele foi para o ralo. Pode ter até sido em benefício público. Afinal muitos dos visitantes discretos/secretos tem mandatos ou ocupam cargos com poder de decisão em estatais.

Sobre Ronaldinho pairava a suspeita de que a queda de rendimento em campo estava associada a baladas e farras. Agora, não é mais suspeita, é certeza. O ex-melhor do mundo migrou para Minas ganhando muito menos do que ganhava no doce Rio de Janeiro.

É um outro mundo, esse das câmeras de monitoramento e do rastreamento de celulares.

Antonio Carlos Magalhães, por exemplo, não poderia mais desfiar o exuberante rosário de maldades com que reinou por mais de 50 anos na política baiana e brasileira. A tática de ACM de só conversar com aliados e assessores no mar, com água pela cintura, não resistiria a uma câmera teleobjetiva com captação de áudio e às técnicas de leitura labial.

Pelé, que escapava da concentração para encontros furtivos com uma hoje conhecidíssima apresentadora de TV (que não é a Xuxa), também não penduraria as chuteiras com a aura de bom moço que conserva até hoje.

A competição política, profissional e empresarial passa a ter na espionagem um elemento mais importante que a criatividade e que a competência e a qualidade de gestão. Mas isso já é um outro desdobramento. Que fica para a gente conversar num outro texto.

História adulterada

Tenho muitos amigos petistas. E um denominador comum entre eles é torcer o nariz para a revista Veja. Parcial, eles definem.

Gosto da revista. E quase sempre, quando surge esse assunto, questiono a parcialidade de publicações que eles curtem, como a Carta Capital.

Imagino que o olhar dos petistas para a Veja esteja mais entortado do que nunca nesta semana. A capa da revista fala de uma cortina de fumaça do PT para encobrir o mensalão, definido como o maior escândalo de corrupção da história do país.

Rui Falcão, um dos cartolas do PT de SP, disse na semana passada que um dos objetivos do partido neste ano é “desbaratar a farsa do mensalão”.

Entre a capa da Veja e a fala de Falcão existe um abismo. O abismo que separa um escândalo que não existiu e outro que foi o maior da história de um país em que escândalos desse tipo não constituem nenhuma novidade em nenhuma época da história. E o pior: as duas visões opostas se referem exatamente ao mesmo episódio.

O processo em julgamento no Supremo e as evidências retratadas nos meios de comunicação não deixam nenhuma dúvida: o mensalão cabe muito mais no rótulo de “o maior” do que no de “farsa”.

Negar o mensalão, é coisa que não convence nem a mãe e a avó de gente envolvida até o pescoço nele como José Dirceu, Silvio Land Rover Pereira, Delúbio Soares e Marcos Valério. Ninguém que tenha um mínimo de bom-senso e informação vai acreditar nessa lorota de que o mensalão não existiu.

Por que então, gente inteligente como o ex-presidente Lula, tenta defender essa mentira?

Deve ser como aquela tese muito popular em rodas de homens casados: a de sempre negar uma traição sexual, mesmo diante da evidência mais constrangedora. Negar, negar , negar… sempre negar.

Tem mulher que prefere acreditar. Deve ter eleitor que também prefere devem raciocinar Lula, Rui Falcão e o pessoal que acompanha os dois nessa tentativa de desmentir o mensalão.

Técnicas desse tipo já deram certo no passado com os nazistas que entendiam que se a mentira for infinitamente repetida acaba virando verdade. Ou com os stalinistas que eliminavam alguns personagens históricos dos relatos e até das fotografias.

Mas no século 21? Na era da internet e da informação?

Em nome da originalidade

Um texto bem escrito pode modificar a visão que você tem de alguma questão ou de alguma pessoa?

Se você respondeu que não, deve ler o artigo Salvem as Martas, de J. R. Guzzo, publicado na revista Veja desta semana.

A Marta do título é a senadora do PT.

Uma sacada, um insight, quase sempre garante um bom texto. É exatamente o que aconteceu aqui. Guzzo percebeu que Marta Suplicy é uma exceção que deve ser preservada no PT. Porque é talvez a única figura de destaque do partido capaz de dizer em público alguma coisa interessante.

E o que fala recente da senadora veio com brilho de lantejoulas? Aquela frase “Seria um pesadelo acordar de mãos dadas com o Gilberto Kassab”. Marta disse isso em pleno flerte do PT com o prefeito de São Paulo. E quem capitaneava essa paquera era o próprio Lula, pensando nas eleições deste ano.

Guzzo pinça no passado da senadora algumas outras frases memoráveis: “Relaxa e goza”, conselho dado aos atormentados passageiros de aviões durante o caos dos aeroportos. “É casado? Tem filhos?” questionamento da masculinidade do mesmo Kassab, quando adversário dela na campanha de 2008.

Que as figuras de destaque do PT andam mergulhadas na mesmice, é difícil de discordar. O próprio Lula, que dizia coisas originais e surpreendentes, perdeu um pouco esse poder. Uma porque falava demais quando era presidente. E outra porque passou a falar de menos depois do mandato.

Pessoas que fazem declarações que escapam das técnicas de marketing merecem mesmo ser preservadas. Os maiores de 40 devem lembrar de Nelson Piquet, tricampeão de Fórmula -1. O piloto rotulou uma vez o companheiro de equipe, Nigel Manssel, como “um asno”. Em outra vez disse que ele gostava de “mulher feia”. Do rival Ayrton Senna, questionou a masculinidade, exatamente como Marta fez com Kassab. Depois que Piquet se aposentou, a Fórmula-1 perdeu um pouco a graça.

Talvez aconteça a mesma coisa com o PT sem a Marta. Ficar ainda mais chato.

E a mudança de opinião citada lá no início deste texto? É em relação à senadora. Muita gente sente rejeição por Marta Suplicy. Mas é impossível não ganhar pelo menos uma dosezinha de simpatia por ela depois de ler o texto de J. R. Guzzo.

Pode fazer a experiência.

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