Blog do Paulo Schiff

Ideias e Opiniões sobre o cotidiano.

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Avenida Brasil

O país parou na sexta-feira às nove da noite para assistir ao último capítulo da novela Avenida Brasil. Noveleiros assumidos se juntaram aos que saíram do armário e aos anti-noveleiros para surfar na onda da Carminha, do Tufão e da Nina. O contágio foi geral. Ganhou repercussão o fato de a presidenta Dilma ter alterado a agenda em função da novela na última semana.

Para autores, diretores e elenco, fica uma marca inesquecível na carreira. O sucesso é doce e inebriante. A Rede Globo conhece o público brasileiro e alcançou a excelência nesse negócio de produzir novelas. Estranhamente perdeu espaço no mercado internacional nos últimos anos. Talvez porque a temática tenha se aproximado mais de questões especificamente brasileiras e se afastado das universais.

Pão e circo, diziam no tempo dos romanos. Alimento e diversão constituíam a fórmula de manter o apoio da população ao esquema no poder.

Não mudou muita coisa nesse ponto do psiquismo humano. O circo ganhou aparato eletrônico. Futebol e novela dominam as conversas ao ponto do ex-presidente Lula ter dito que a população está mais preocupada com o Palmeiras, ameaçado de rebaixamento, do que com o julgamento do mensalão.

Comida, diversão e arte, pediam os Titãs na letra do concretista Arnaldo Antunes.

A novela tem esse status de arte? Se a discussão entrar nesse campo, não termina mais. Grandes atores e atrizes, sem dúvida. Grandes histórias. E a verdade é que a novela tem se aproximado de questões importantes como a corrupção, as características de algumas doenças, o avanço do homossexualismo…

Ainda sem a agudeza de filmes como Tropa de Elite. Mas tem colocado  questões reais, dentro do limite que a obrigação de abranger públicos de todos as faixas de idade e renda impõe.

As outras redes de televisão, para enfrentar essa excelência ainda têm de comer muito mingau. 

A novela e o toque de recolher

O ex-presidente Lula disse que os brasileiros estão mais preocupados com a situação do Palmeiras do que com o julgamento do mensalão.

E alguém, não lembro quem, disse que o verdadeiro toque de recolher na Baixada Santista não é o do crime organizado mas sim o da novela Avenida Brasil.

Os dois têm e não têm razão ao mesmo tempo.

Hoje durante o dia, era mais frequente ouvir zoações e comentários relativos à permanência do Palmeiras na zona de rebaixamento do que referentes à turma de José Dirceu, definida pelo relator do mensalão no Supremo como quadrilha.

Também é verdade que na maior parte das conversas fiadas as desventuras e crueldades da Carminha da novela ocupam mais espaço do que a guerra não-assumida pelo governo estadual entre polícia e PCC.

A comparação não desmerece a importância nem do julgamento da corrupção nem da preocupação com a violência.

Só gente paranóica fica o tempo todo com uma coisa só martelando na cabeça.

O país todo está antenado no julgamento do mensalão. O combate à corrupção é prioritário na agenda dos brasileiros. E isso é facilmente verificável pelo espaço que os escândalos ocupam nos meios de comunicação, pelas vaias que os acusados recebem quando arriscam aparecer em público, pela mobilização pela Lei da Ficha Limpa.

O futebol tem o espaço dele. Que mais de uma vez já foi definido pelo jornalista Milton Neves como “a mais importante das coisas menos importantes”.

A novela prende muita gente em casa. Por opção. Positiva. Porque conquistou o interesse. O toque de recolher, ao contrário, inibe a vida do cidadão. Por medo. Afeta o direito de ir e vir garantido na lei e do qual as autoridades que negam a realidade deveriam ser justamente as guardiãs.

Os crimes da Carminha são da ficção. A violência do crime organizado é real.

Três esferas de poder

Lula dizia que não sabia do mensalão que rolava solto do lado da sala dele. Só faltou jurar dando beijinho na mão. Depois passou a negar o mensalão. Nunca tinha existido. Era farsa. Invenção da oposição.

Agora que o esquemão de compra de votos parlamentares foi confirmado e condenado no julgamento do Supremo, Lula diz que a compra de votos no governo Fernando Henrique não foi investigada. Ah!!! Então existe mesmo essa coisa de compra de votos, presidente?

Pior: no governo dele, Lula não viu, mas no do antecessor, sim. A única explicação é evangélica: “É mais fácil ver um cisco no olho do vizinho que uma trave no próprio olho”.

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O candidato José Serra (PSDB) atingiu a marca de 45% de rejeição dos eleitores de São Paulo. Mesmo assim ganhou um beijo na boca de uma jovem na quinta-feira.

Serra não tem do que reclamar. Não costuma cumprir os mandatos que conquista nas urnas. Largou o Senado para ser ministro, a Prefeitura de SP para disputar o governo e o governo para tentar a Presidência.

Pelo jeito, vai se cumprir a definição mais criativa do inferno astral do tucano, do colunista José Simão: “A rejeição do Serra vai ganhar no primeiro turno”

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Faz tempo que a entrada de Santos virou problemão. Todo dia tem congestionamento. Agora o prefeito diz que tem um “projeto conceitual” para a nova entrada e que vai mandar de novo esse projeto para o governo estadual.

João Paulo Papa foi presidente da CET no primeiro mandato de Beto Mansur (97-2000). Foi vice-prefeito e secretário de Planejamento na segunda gestão de Mansur (2001-2004). Está há quase 8 anos como prefeito.

16 anos depois, um projeto “conceitual”? O que será que os motoristas que sofrem nos congestionamentos pensaram dessa história?

Progresso eleitoral

Teve início a temporada de ataques eleitorais. Quem estaciona nas pesquisas quer avançar. Quem está perdendo eleitores quer estancar a sangria. E aí começam a ser lembrados os telhados de vidro dos adversários. Principalmente dos que estão na frente.

Em São Paulo, Serra associa Haddad aos réus do mensalão. Em Santos, o prefeito Papa aparece bravo no programa eleitoral, com uma expressão facial muito diferente da que mostrou durante todos esses anos.

Diz uma regra antiga que na política, ao contrário do futebol, o ataque não é a melhor defesa. Quem agride normalmente perde votos.

Acontece que à medida que a data da eleição se aproxima, o desespero vai batendo.

Li um artigo interessante nesta semana que dizia que muita gente confunde esse momento eleitoral de pesquisas estabilizadas como marasmo ou como tendências já definidas. E que na verdade este é o momento em que o eleitor está amadurecendo a decisão.

Conheceu melhor os candidatos. Percebeu com clareza com que outros personagens da vida pública cada um deles é ligado. Agora é o momento da reflexão e da decisão.

Se justamente nessa hora o candidato ou o padrinho dele aparece desequilibrado e destemperado, o feitiço pode virar contra o feiticeiro.

Muita gente reclama do processo eleitoral. Que faltam propostas. Que o horário gratuito é chato. Que os discursos são escritos pelos marqueteiros. Mas a verdade não é bem essa. O progresso nesse campo nos últimos anos é fantástico. O eleitor passou a ter acesso às declarações de bens dos candidatos, aos processos que ele enfrentou e a quanto e de quem ele recebe doações na campanha.

O eleitor amadureceu e a legislação acompanhou: Lei da Ficha Limpa, Lei de Acesso a Informações Públicas.

Muita gente não percebeu. Mas o tempo dos xingamentos eloqüentes e das promessa vazias está ficando para trás.

Gula e corrupção

Henrique Pizzolatto e Marcos Valério estão a caminho da condenação pelo Supremo no julgamento do mensalão. Corda no pescoço. Fico pensando na opção deles pela bandalheira.

Como será que começou?

Porque eles não nasceram corruptos. Numa certa altura da vida fizeram essa escolha. Talvez os primeiros desvios tenham sido pequenos. Uma propina para um agente de trânsito para evitar uma multa… Cinquenta reais na mão de um garçon para ser bem servido numa festa… Um pedido de uma comissãozinha para agilizar um contrato… Uma escalada. Quando caíram em si já estavam desviando milhões de reais de dinheiro público…  

Aí, quando chega nesse ponto, não tem mais volta.

A impressão que dá é que o mergulho de cabeça na corrupção é parecido com a gulodice.

Na gula, você não precisa daquele pedaço de doce a mais. Também não precisa do terceiro prato de feijoada. Nem de mais um pedaço de picanha na churrascaria. Ao chutar o balde, você sabe que vai ficar empanturrado. E que a sensação é péssima. Mas não resiste.

É evidente que a turma do mensalão, com cargos públicos, bons empregos, influência, não precisava dessa roubalheira. Mas…

A sensação de comer um prato bem preparado é ótima. É um prazer daquele momento. Existe um outro prazer, entretanto, contínuo, de todos os momentos, que é o bem-estar das pessoas que cuidam da alimentação e praticam atividade física. É mais sutil. Não é qualquer pessoa que alcança essa consciência.

Com a bandalha deve ser parecido. Na hora em que a maracutaia dá certo, o corrupto deve sentir um certo prazer. Mas aquele monte de dinheiro é como aquela pratada de torresmo a mais. A que empanturra. Aqueles que não caem nessa tentação,  cuidam da ética pessoal e se preocupam em adotar o comportamento decente, alcançam o outro bem-estar, aquele contínuo. No emocional e no espiritual.       

Marcos Valério, Pizzolatto, João Paulo Cunha e Cia Ltda não devem nem lembrar mais como é essa sensação…

Mensalão

Três pontos chamam particularmente a atenção nos desdobramentos do mensalão:

  1. O oito ou oitenta. O ataque levanta a tese de que se trata do mais atrevido esquema de corrupção da história do país. Usa o termo quadrilha. A defesa diz que não existiu, que se trata de uma farsa, que foi tentativa de golpe.

  2. A posição de ministro-relator Joaquim Barbosa e do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Os dois foram colocados nos cargos pelo ex-presidente Lula. Mesmo assim, estão entre os mais incisivos acusadores .

  3. O desembaraço com que Lula se movimentou para evitar a possibilidade de condenação dos réus. Indecente.

No primeiro ponto, o das teses extremas, quadrilha ou farsa, é importante observar que a versão atual dos envolvidos foi construída num segundo momento. Na explosão do escândalo, a cúpula do PT despencou dos cargos e o então presidente Lula pediu publicamente desculpas ao país. Num segundo momento, depois de Lula ter reconstruído a base política, é que essa versão da negação foi articulada. Tem credibilidade zero. Parece jogar para o público mais desinformado e tentar tapar o Sol com uma peneira esburacada.

Quanto à posição de Barbosa e Gurgel, indicações de Lula, no cenário de toma-lá-dá-cá e de cinismo que predominou na política nacional dos últimos anos (José Sarney, Jader Barbalho, Renan Calheiros etc..) representa uma agradável surpresa.

Ambos aparentam tanto motivações internas quanto uma certa impermeabilidade a pressões. mesmo muito fortes.

Na movimentação de Lula estão simbolizadas essas pressões. O ex-presidente andou visitando ministros do Supremo no primeiro semestre e houve até uma denúncia séria de Gilmar Mendes nesse sentido. Pelo menos um resultado horroroso essa pressaõ de Lula produziu, que é a decisão de Dias Toffoli de participar do julgamento mesmo contra todas as evidências de vínculo pessoal e profissional dele e da mulher dele com alguns réus.

A única palavra que cabe aí é novamente “indecente”.

Corajoso. Mas não virtuoso.

O Jornal Nacional apresentava, na segunda-feira, um revival do mensalão. O presidente Lula aparecia na tela, lá em 2005, pedindo desculpas ao país pelas trapaças do PT. Imagens da época mostravam Roberto Jefferson e José Dirceu se enfrentando no Congresso.

Numa academia de Santos, um empresário, na faixa dos 40 anos, parou de malhar para acompanhar a reportagem. Quando Jefferson, o denunciante do esquema, diz para Dirceu que tinha medo dos instintos que o petista despertava nele, o rapaz vibra:

Esse é macho. Bandido. Mas tem colhões. Tem de ter uma baita coragem para ter denunciado esse bando”.

Por coincidência, estou lendo, no Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, do francês André Comte-Sponville, justamente sobre a coragem.

O autor começa dizendo que a coragem, entre todas as virtudes, é a mais universalmente admirada. Em todas as épocas. Em todos os lugares. Mas questiona a natureza dela como virtude. Porque o bandido pode ser tão corajoso quanto o herói. Coragem usada para o mal, Sponville propõe que ela pode ser admirável. Mas não é virtude.

Teria sido Roberto Jefferson verdadeiramente corajoso ao denunciar o mensalão, leitora / leitor do DL?

Quanto a isso não há dúvida. Corajoso ele foi. E o cidadão comum sabe disso. Mas essa coragem dele, segundo o filósofo francês, é justamente a que não pode ser considerada virtude. Para Sponville, para a coragem ser virtude, a coragem do herói, ela precisa estar associada a causas nobres. O corajoso não se beneficia dela.

O curioso é que o empresário que parou a musculação para prestar atenção na TV, expressou exatamente isso:
“Bandido. Mas tem colhões. Tem de ter uma baita coragem para ter denunciado esse bando”.

Roberto Jefferson não estava mobilizado por motivações nobres e desinteressadas quando denunciou o mensalão. Por isso não pode – e não é mesmo – olhado como virtuoso. Mas sim como corajoso. Coragem, por sinal, que deu ao país uma possibilidade preciosa de se auto-passar a limpo.

História adulterada

Tenho muitos amigos petistas. E um denominador comum entre eles é torcer o nariz para a revista Veja. Parcial, eles definem.

Gosto da revista. E quase sempre, quando surge esse assunto, questiono a parcialidade de publicações que eles curtem, como a Carta Capital.

Imagino que o olhar dos petistas para a Veja esteja mais entortado do que nunca nesta semana. A capa da revista fala de uma cortina de fumaça do PT para encobrir o mensalão, definido como o maior escândalo de corrupção da história do país.

Rui Falcão, um dos cartolas do PT de SP, disse na semana passada que um dos objetivos do partido neste ano é “desbaratar a farsa do mensalão”.

Entre a capa da Veja e a fala de Falcão existe um abismo. O abismo que separa um escândalo que não existiu e outro que foi o maior da história de um país em que escândalos desse tipo não constituem nenhuma novidade em nenhuma época da história. E o pior: as duas visões opostas se referem exatamente ao mesmo episódio.

O processo em julgamento no Supremo e as evidências retratadas nos meios de comunicação não deixam nenhuma dúvida: o mensalão cabe muito mais no rótulo de “o maior” do que no de “farsa”.

Negar o mensalão, é coisa que não convence nem a mãe e a avó de gente envolvida até o pescoço nele como José Dirceu, Silvio Land Rover Pereira, Delúbio Soares e Marcos Valério. Ninguém que tenha um mínimo de bom-senso e informação vai acreditar nessa lorota de que o mensalão não existiu.

Por que então, gente inteligente como o ex-presidente Lula, tenta defender essa mentira?

Deve ser como aquela tese muito popular em rodas de homens casados: a de sempre negar uma traição sexual, mesmo diante da evidência mais constrangedora. Negar, negar , negar… sempre negar.

Tem mulher que prefere acreditar. Deve ter eleitor que também prefere devem raciocinar Lula, Rui Falcão e o pessoal que acompanha os dois nessa tentativa de desmentir o mensalão.

Técnicas desse tipo já deram certo no passado com os nazistas que entendiam que se a mentira for infinitamente repetida acaba virando verdade. Ou com os stalinistas que eliminavam alguns personagens históricos dos relatos e até das fotografias.

Mas no século 21? Na era da internet e da informação?

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