Blog do Paulo Schiff

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O Schettino vicentino – Parte II – Final

Luís Claúdio Bili recebe de Tércio Garcia uma cidade muito melhor do que aquela que Márcio França recebeu de Luca em 97. A coleção de inovações e realizações dos quatro mandatos Márcio / Tércio – relacionadas neste espaço no texto de ontem – é impressionante.

Mas o clima de final de feira nessa transição ofusca a revolução promovida em São Vicente nesses 16 anos.

Onde será que o condutor do processo – Márcio França – um mestre da política, perdeu a mão?

Primeiro é preciso, como observador, ter a humildade de reconhecer que o deputado, ao tomar as decisões que tomou, além de ter acesso a informações não-disponíveis para o jornalista, agiu pressionado por prazos e situações. Olhar de fora – e depois – é bem mais fácil.

A candidatura do filho Caio França a vereador, em 2008, quebrou a confiança infinita que os outros vereadores e candidatos do amplo leque da coligação capitaneada pelo PSB tinham em Márcio França. Desagregou. A família começou a ser vista como uma dinastia imperial. A troca do Congresso e do alinhamento com Lula /Dilma pelo cargo de secretário estadual de Turismo e realinhamento com os tucanos no começo de 2011 é difícil de explicar. E o inchaço da máquina administrativa – 33 secretarias e 30 administrações regionais – insuportável. Inchaço provocado pela distribuição de cargos para manter um arco insaciável de alianças partidárias. 22 partidos estavam – pelo menos formalmente – na coligação que apoiava a candidatura derrotada de Caio França à sucessão de Tércio Garcia.

A crise de arrecadação que atinge muitas outras prefeituras completou o estrago. São Vicente chegou ao caos. Terra arrasada.

Esses dois artigos são duros com Tércio Garcia porque a comparação com o capitão que abandona o barco é muito forte.

Mas tem uma análise que precisa ser feita. A saída de Tércio é desastrada. Repercute muito mal. Mas outras saídas recentes de ex-prefeitos da região, mais discretas, têm cheiro muito pior. Pelo aumento de patrimônio aparente incompatível com o salário do cargo. Pela potência empresarial do pós-mandato… Pela…

O Schettino vicentino – Parte I

A maneira como Tércio Garcia terminou o segundo mandato de prefeito de São Vicente conseguiu desagradar gregos e troianos. Unanimidade. Quem não gosta dele oscilou entre a indignação e a revolta. Quem gosta ficou entre a decepção e o incômodo.

A melhor tradução veio do médico Nagib Haddad: ele comparou a saída do prefeito com o abandono do navio Costa Concordia logo no início do naufrágio, em janeiro do ano passado, na costa da Toscana, pelo capitão Francesco Schettino. A comparação é perfeita e explica o incômodo, a decepção, a indignação e a revolta. O prefeito, como o capitão do navio, deveria ser o último a sair do barco vicentino por onde entrava água por infinitos buracos no casco. Mas não. Correu para um cargo em Limeira.

Antes de falar desse desfecho, é preciso recapitular os avanços da cidade durante os 16 anos do esquema Márcio França / Tércio Garcia. Que não foram poucos nem pequenos.

Muitas medidas criativas resolveram problemas antiquíssimos. A redução do ISS – Imposto Sobre Serviços – atraiu dezenas de empresas para a cidade. A adoção das vans como transporte coletivo alternativo incorporou a Área Continental na vida vicentina. O comércio do centro de São Vicente passou a bombar e ganhou até um shopping. A Linha Amarela desafogou o trânsito na área central. A redução da criminalidade em mais de 90% é uma das mais impressionantes dos últimos 15 anos no Brasil. As creches brotaram na cidade toda. A Praia do Itararé, abandonada há décadas, ganhou urbanização. A civilização chegou no México 70. Muitos jovens ganharam oportunidades profissionais com o Jepom. Até um teleférico foi viabilizado.

São Vicente conseguiu eleger uma dobradinha de deputados em 2006 – Márcio França, federal e Luciano Batista, estadual – e repetiu a dose em 2010.

Uma revolução.

Que teve, infelizmente esse desfecho melancólico. Fim de feira.

Amanhã, na segunda e última parte desse texto, uma interpretação das causas desse naufrágio.

Mais que pirraça, menos que vingança

Uma ouvinte da Rádio Mix, na semana passada, reclamou do lixo eleitoral em São Vicente. Muitos santinhos de candidatos no chão. Ela estava com medo de que a chuva chegasse antes das varredoras. Isso porque a montanha de papel sempre coloca um fator da agravamento nas inundações em função do entupimento de bueiros e bocas-de-lobo.

O curioso na manifestação da ouvinte é que ela pergunta se essa negligência da Prefeitura poderia ser uma picuinha do Márcio França, ressentido com a derrota eleitoral do filho.

A palavra picuinha já carrega uma conotação bem-humorada. É mais que pirraça e menos que vingança. Tem alguma coisa de mesquinhez. Mas ainda mais engraçado é o fato de que o prefeito de São Vicente, que poderia estar com essa suposta picuinha, é Tércio Garcia e não Márcio França, que é deputado federal.

Da safra de prefeitos que encerram mandatos neste final de ano na Baixada, três se elegeram sem nunca ter sido candidatos a nada antes, impulsionados por prefeitos fortes que não podiam mais se reeleger. Tércio Garcia é um deles. Sucedeu justamente Márcio França na eleição de 2004 e depois se reelegeu em 2008.

Os outros dois são João Paulo Papa, de Santos, que disputou as mesmas eleições de Tércio, e Roberto Francisco, de Praia Grande, que era chefe de gabinete de Alberto Mourão e se elegeu sucessor dele em 2008. Papa era vice de Beto Mansur e foi apoiado por ele.

A ouvinte que levantou a suspeita de picuinha, parece acreditar que quem continuou mandando em São Vicente, mesmo com Tércio prefeito, era Márcio França. Muita gente pensa dessa maneira.

Em Praia Grande, acontece coisa parecida. O advogado Roberto Mohamed disse outro dia que Roberto Francisco se elegeu para guardar lugar para Alberto Mourão.

Na verdade, Garcia e Francisco têm perfis mais discretos e técnicos e assim marcam menos a própria presença.

É interessante observar que em Santos aconteceu fenômeno inverso. O prefeito Papa se afastou do padrinho político Beto Mansur. Buscou ganhar luz própria. Até as realizações de Mansur passaram a ser percebidas pelo público como sendo de Papa. Tanto que o ex-prefeito usou a estratégia de lembrar ao eleitor, na propaganda eleitoral, que essas obras eram na verdade dele.

Não deu certo. Mansur saiu da eleição com uma derrota acachapante. Mas tem um consolo: se houver desleixos da Prefeitura de Santos, daqui até o final do ano, ninguém vai suspeitar que seja picuinha dele.

A eleição e o Porto

Márcio França tem influenciado decisões federais relativas ao Porto de Santos desde 2007. É atribuída ao deputado federal nada mais nada menos que uma parte da responsabilidade pela criação da Secretaria Especial de Portos. Teria sido ele que soprou no ouvido do ex-presidente Lula a idéia. Articulado com as empresas de operação, foi um dos negociadores do Reporto na Câmara, isenção tributária para aquisição de equipamentos que alterou radicalmente o cenário tecnológico portuário  em Santos e também em vários outros portos do Brasil. O ex-prefeito vicentino também influenciou a escolha de nomes para a direção da Codesp nesse período. A SEP está com o PSB, partido dele, desde a criação. 

João Paulo Papa aproximou Porto e Prefeitura de Santos no período entre 2005 e este ano. Criou a Secretaria Municipal de Assuntos Portuários e Marítimos. Foi tão bem-sucedido nessa iniciativa que o secretário Sérgio Aquino se tornou presidente do Conselho de Autoridade Portuária. Quando Aquino se afastou da presidência do CAP, no primeiro semestre, para se tornar candidato a prefeito, Papa emplacou outro secretário no cargo: o de Planejamento, Bechara Abdalla.

As urnas de domingo desmancharam esses dois arranjos.

O grupo político de Márcio França perdeu a Prefeitura de São  Vicente e de Peruíbe e deixou de ganhar em Itanhaém, onde tinha certeza de vitória. As derrotas eleitorais dos candidatos do PSB, Caio França, Milena Bargieri e Marcelo Strama, aniquilaram a base regional do deputado.

O grupo de Papa também implodiu, pelo menos momentaneamente.   Sérgio Aquino, o candidato do prefeito teve votação pouco expressiva e foi derrotado já no primeiro turno.

É difícil imaginar que o novo prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, tenha há argumentos suficientes para colocar um aliado na cadeira da presidência do CAP. Tucano, próximo do governador Alckmin, é considerado adversário pela aliança PMDB-PT que está no governo federal.

Márcio França, reduzido ao mandato, e também mais próximo de Alckmin do que de Dilma, também perde espaço no cais.

Será que a peemedebista Antonieta, favorita no segundo turno de Guarujá, e a petista Marcia Rosa, reeleita em Cubatão, vêm aí?

Trombada eleitoral dupla

Toda disputa – política ou não – tem vitoriosos e derrotados. Óbvio. Mas há derrotas e derrotas. Perder às vezes é etapa construtiva. Lula perdeu três vezes a corrida presidencial. Mas vai ficar na História pelas duas vitórias que se seguiram a elas.

Beto Mansur tem no currículo uma derrota desse tipo. Perdeu no primeiro turno a eleição para a Prefeitura de Santos em 92. Quatro anos depois voltou para ganhar.

Ele nunca poderia imaginar o desmanchamento do cacife eleitoral que construiu nesses 20 anos que separam 92 de 2012 da maneira como aconteceu nesta campanha. Ele começou como um candidato com chances concretas de segundo turno e terminou com uma votação quase de partido nanico.

A derrota de Márcio França é ainda mais dolorosa. Ele não disputou a eleição. Achou que não precisava se envolver pessoalmente para conservar a Prefeitura de São Vicente. Errou a avaliação e viu o filho Caio França ser derrotado por Luís Cláudio Bili.

Articulador político regional, também perdeu em Peruíbe com Milena Bargieri e em Itanhaém, com Marcelo Strama. Em Cubatão, não conseguiu nem articular uma candidatura.

Beto Mansur chegou à eleição de domingo sem o apoio do prefeito João Paulo Papa. Sofria de uma doença fatal para candidaturas nesse estágio atual da política brasileira: esvaziamento político. Enfrentou também a rejeição provocada pelas acusações de trabalho escravo nas fazendas dele e pelo estilo fazendeiro / piloto do próprio avião.

O diagnóstico da derrota de Márcio França parece mais simples: salto alto.

Mansur tem vida empresarial, Márcio França vive para a política.

Como será que vão se repaginar depois dessa trombada?

Ações e omissões

Algumas ações na área de infra-estrutura alcançam os resultados previstos no planejamento. Outras fracassam. E um terceiro tipo produz resultados muito além dos planejados.

Cabe nessa terceira classificação, por exemplo, a adoção das vans como transporte público alternativo em São Vicente. O centro comercial vicentino ganhou uma valorização muito superior ao que a equipe do então prefeito Márcio França previa, lá no meio dos anos 90. Hoje é uma potência, com os pontos das lojas super-valorizados.

O Porto de Santos, já comentamos isso aqui, se firmou como principal pólo brasileiro de movimentação de cargas em função da construção de uma ligação ferroviária com São Paulo. Até a segunda metade do século 19, quando a carga descia para o litoral em trilhas e sobre carretas com tração animal, esse posto era disputado com outros povoados, como Iguape. A construção da ferrovia pelos ingleses desempatou a partida.

É difícil, como se vê, prever os efeitos das ações. Podem ser iguais aos planejados, podem ser fracassos ou até superiores às previsões. Mas é muito fácil antecipar o resultado das omissões: retrocessos e prejuízos.

Em relação ao porto, nesse campo das omissões, estão as obras que não foram projetadas e construídas. Podem representar perda de espaço no futuro próximo. Essa deficiência se mostra principalmente nos acessos. Modais mais baratos que os rodoviários não receberam até hoje investimentos apesar de muita falação: ferrovia, dutovia e hidrovia. Mesmo no modal rodoviário, que tem predomínio quase absoluto, a inexistência de uma ligação seca entre as duas margens do porto acrescenta 70 km no percurso das carretas que movimentam cargas no lado de Guarujá. São 70 km a mais de consumo de gasolina, de horas de trabalho de motoristas e de desgaste dos veículos. Mais Custo Brasil.

Imagine um investimento bem planejado em ferrovia de acesso em algum outro porto do sudeste. Que motivo levaria o exportador a preferir um Porto de Santos com acesso mais caro?

Caro, isso sim, pode ser o preço, no futuro, dessas omissões de agora.

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