Falou e disse
Há três verdades em relação a um fato que envolve duas pessoas: a da primeira envolvida, a da segunda e a verdadeira.
O jornalismo num primeiro momento e a história num prazo mais longo devem ouvir sempre as duas primeiras verdades. Mesmo não tendo a esperança de alcançar a terceira.
Neste Brasil do século 21 a idéia predominante é a de esconder pelo menos duas verdades: a do outro e a verdadeira.
Na tal Comissão da Verdade, criada para apurar a história das violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, tem gente que entende que só os crimes de um lado devam ser analisados: o da ditadura. Até gente honesta intelectualmente pensa assim.
Na CPI do Cachoeira a coisa é até mais radical. A oposição combina com o governo: você não investiga o meu governador que eu não investigo o seu. Você preserva esse deputado que eu finjo que não vi as evidências contra aquele senador. É verdade que seria muito difícil esperar menos safadeza de uma CPI que tem Fernando Collor, aquele, como um dos investigadores.
Na morte do ex-prefeito Celso Daniel, de Santo André, em 2002, os promotores rastrearam indícios fortes de esquema ilegal de arrecadação de dinheiro para a campanha presidencial do então candidato Lula daquele ano. Mas tem gente que jura que no dia seguinte do encontro do corpo, uma conversa entre Lula e FHC selou um pacto de silêncio em relação a esse caso escabroso.
O pior de tudo é o mensalão. Contra todas as evidências de movimentações ilegais de dinheiro – milhões e milhões de reais e dólares, contra confissões várias e até contra a denúncia do relator do caso no Supremo, Joaquim Barbosa, de que era uma quadrilha – tem gente, como o próprio Lula – que nega como se fosse um marido apanhado em flagrante com a amante no motel.
O ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando, definiu bem essa postura na semana passada:
“Negar o mensalão é uma afronta à democracia”.
Se fosse nos anos 70, alguém ia comentar:
“Falou e disse”.