Blog do Paulo Schiff

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Falou e disse

 Há três verdades em relação a um fato que envolve duas pessoas: a da primeira envolvida, a da segunda e a verdadeira.

O jornalismo num primeiro momento e a história num prazo mais longo devem ouvir sempre as duas primeiras verdades. Mesmo não tendo a esperança de alcançar a terceira.

Neste Brasil do século 21 a idéia predominante é a de esconder pelo menos duas verdades: a do outro e a verdadeira.

Na tal Comissão da Verdade, criada para apurar a história das violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, tem gente que entende que só os crimes de um lado devam ser analisados: o da ditadura. Até gente honesta intelectualmente pensa assim.

Na CPI do Cachoeira a coisa é até mais radical. A oposição combina com o governo: você não investiga o meu governador que eu não investigo o seu. Você preserva esse deputado que eu finjo que não vi as evidências contra aquele senador. É verdade que seria muito difícil esperar menos safadeza de uma CPI que tem Fernando Collor, aquele, como um dos investigadores.

Na morte do ex-prefeito Celso Daniel, de Santo André, em 2002, os promotores rastrearam indícios fortes de esquema ilegal de arrecadação de dinheiro para a campanha presidencial do então candidato Lula daquele ano. Mas tem gente que jura que no dia seguinte do encontro do corpo, uma conversa entre Lula e FHC selou um pacto de silêncio em relação a esse caso escabroso.

O pior de tudo é o mensalão. Contra todas as evidências de movimentações ilegais de dinheiro – milhões e milhões de reais e dólares, contra confissões várias e até contra a denúncia do relator do caso no Supremo, Joaquim Barbosa, de que era uma quadrilha  – tem gente, como o próprio Lula – que nega como se fosse um marido apanhado em flagrante com a amante no motel.

O ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando, definiu bem essa postura na semana passada:     

“Negar o mensalão é uma afronta à democracia”.

Se fosse nos anos 70, alguém ia comentar:

“Falou e disse”.

Decadência sem elegância

“Quanto mais eu rezo, mais assombração reaparece”.

Muita gente teve essa reação ontem. O ressurgimento no primeiro plano de Fernando Collor, surfando na CPI Cachoeira, é tétrico.

À vontade diante de câmeras e holofotes, o ex-presidente exibiu a velha arrogância. A elegância formal do discurso, palavras cuidadosamente escolhidas, não esconde a deselegância das idéias. Mais que deselegância, anacronismo, falta de sintonia com a época atual.

Collor parece ter parado no tempo e ficado remoendo mágoas nestes 20 anos desde que renunciou para escapar do impeachmeant. Os cabelos estão grisalhos, mas a voz é a mesma…

E deve estar curtindo muito a condição atual: de acusado a acusador.

Nas entrelinhas, a fala collorida é a de responsabilizar os meios de comunicação pelo episódio da queda espetacular do primeiro presidente eleito pelo voto direto da pós-ditadura. Menos de 3 anos depois da euforia da eleição, envolvido em uma série interminável de acusações de corrupção, Collor saiu do Palácio enxotado por uma multidão de adolescentes com as caras pintadas que brotavam em todas as praças e avenidas do país.

Agora o discurso é “impedir certos meios de veicular notícias falsas ou manipuladamente distorcidas”. E de “não deixar que a agenda da CPI seja pautada pelos meios de comunicação e alguns de seus rabiscadores”.

Operação Uruguai, reforma da casa da Dinda, compra de uma perua Elba, tudo isso poderia ter ficado na lata de lixo da História. Mas o eleitor de Alagoas devolveu Collor para Brasília.

Fantasmas não faltam. Entre a renúncia e as entrevistas de ontem houve a morte pessimamente explicada de PC Farias, o amigo de fé, irmão camarada e arrecadador furtivo. E uma entrevista da ex-primeira-dama, Rosane, agora separada dele, em que são descritos inacreditáveis sacrifícios de animais em rituais de magia negra num porão vizinho à residência do casal em plena época da presidência.

Você conhece alguma decadência com menos ellegância?

O canalha polido

O senador Demóstenes Torres foi desmascarado em gravações telefônicas. A Polícia Federal investigava o contraventor Carlinhos Cachoeira. E descobriu nos grampos aplicados ao contraventor que Demóstenes faz parceria de bandalheiras com ele.

A safadeza do senador choca mais que a de gente como Renan Calheiros, Fernando Collor, José Sarney?

Choca.

No livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, André Comte-Sponville explica o porquê.

Demóstenes, que posava de defensor da ética na política, é o canalha polido.

Outros personagens podem ser perdoados com mais facilidade pelo mal que provocam: a fera, o selvagem, o bruto. O polido, não. Não tem desculpa.

Assim o corrupto moralista. Assim, o senador.

Ao acusar, ao denunciar, o acusador / denunciante está escrevendo um atestado de bons antecedentes. Eu acuso, eu denuncio porque sei que isso é errado. Mais que errado, é intolerável. Fica implícito que eu, acusador / denunciante, não faço isso.

Na verdade, não é bem assim. As pessoas que percebem o mal com muita  clareza e muita facilidade, muitas vezes têm essa percepção justamente em função de elas próprias estarem nessa sintonia maligna.

Devemos desconfiar sempre do moralista que vive com o dedo apontado na direção do nariz dos outros. Ele só consegue ver o mal. Porque essa é a freqüência em que ele está permanentemente sintonizado.

É melhor ensinar as virtudes do que condenar os vícios, escreveu o filósofo Spinoza. Mas para ensinar virtudes, tem um pré-requisito: conhecer esse tipo de força que age ou que pode agir. Como ensinar o que não se conhece?

Tem um outro detalhe: no caso de Fernandinho Beira-Mar, Maluf ou Sarney, ser apanhado em um novo malfeito é só mais uma mancha no leopardo. Não provoca impacto.

Com Demóstenes, não. Ele perde a referência. A única referência, que era a falsa aparência de virtude.

Tanto que ele mesmo já percebeu isso. Ao ser confrontado com as evidências apontadas pelas gravações, a reação dele diz tudo:

“Eu não sou mais o Demóstenes”.

Nariz empinado

O ex-presidente Lula bateu de frente com uma velha tradição brasileira: o complexo de vira-latas. A definição dessa inferioridade de nascença da nossa população pertence ao genial teatrólogo e cronista Nelson Rodrigues, que neste 2012 tem centenário de nascimento.

Na verdade, Lula coroou uma tendência que começou com a conquista da primeira Copa do Mundo em 1958. E que veio evoluindo… Fernando Collor, por exemplo, depois de eleito, em 89, jogou na cara de chefes de estado europeus e norte-americanos a devastação ambiental promovida nos países deles. Foi a primeira vez que um presidente brasileiro não aceitou de orelha murcha imposições estrangeiras de preservação da amazônia e da mata atlântica no Brasil.

Lula pulou para o lado alto da gangorra. Virou do avesso o tal complexo de vira-latas. Inverteu o jogo com o FMI. Tripudiou em cima da crise financeira de 2008-2009. O tsunami que sacudiu o mundo, aqui, diante da solidez da nossa economia, virou marolinha.

E por aí vai.

Dilma, mais discreta em outros pontos, nesse da jactância da suposta blindagem anti-crises, adotou a receita de Lula. E nesta semana andou ditando regras de macro-economês lá na Alemanha.

Nada contra essa auto-estima inflacionada. É até bacana essa volta por cima no complexo.

Mas vamos imaginar o seguinte caso. Um sujeito não consegue dar educação de qualidade para os filhos. Não consegue cuidar direito da saúde deles. A casa vive sendo assaltada porque não tem muro nem cachorro. Ou seja, a coisa não anda boa. A não ser nas finanças. O sujeito está endividado até a tampa. Mas num determinado momento se equilibra e consegue pagar os juros e as contas.

Aí ele resolve dar lição de moral no vizinho que educa os filhos com capricho, cuida da saúde deles e protege a família da bandidagem com sucesso. Mas que está passando por uma crise de grana.

O vizinho não vai acreditar, vai olhar para ele como se fosse um ET:

“Como é que é?”.

Com a educação no Brasil do jeito que está, a segurança pública, a saúde… deve ter sido mais ou menos assim que a chanceler da Alemanha olhou na segunda-feira para a presidenta Dilma.

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