Blog do Paulo Schiff

Ideias e Opiniões sobre o cotidiano.

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Moderno x Arcaico

O abismo entre o novo e o velho na vida pública do país ficou mais escancarado nesta semana.

Num primeiro episódio, o ministro Luiz Fux, do Supremo, enfiou goela a baixo do presidente do Senado, José Interminável Sarney (PMDB-AP), o regimento do… próprio Congresso. Sarney tentou no melhor estilo dele, pautar com regime de urgência, por baixo do pano, o veto da presidente Dilma a alguns artigos da nova lei dos royalties do petróleo. Fux concedeu liminar suspendendo a sessão porque 3059 vetos estavam na fila e não podiam ser atropelados por aquele que interessava ao senador amapá-maranhense.

O próprio Fux também tinha interesse pessoal na história porque é do Rio de Janeiro, estado que seria o mais prejudicado pela derrubada do veto. E também porque chegou ao Supremo com um empurrãozinho político do governador de lá, Sérgio Cabral.

Sarney ainda tentou uma manobra que mistura cara-de-pau e prepotência: votar 3059 vetos de uma tacada só. Coisa de República Velhíssima. Não prosperou.

No outro episódio, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), lançou um balão de ensaio tosco. Como se estivesse na década de 60 ou 70, em plena ditadura militar, ameaçou dar asilo político no prédio do Congresso para os deputados ameaçados de prisão por causa do mensalão.

Algumas lideranças do PT já tinham tentado articular um “desagravo” nacional a José Dirceu e alguns outros condenados pelo mensalão. Desistiram porque alguns dias antes estourou o mega-escândalo dos “Bebês de Rosemary”.

Não que o Supremo seja uma Brastemp de modernidade. Mas tem mostrado, como nesses dois episódios, o lado guardião da lei, como exige a sociedade do século 21. Marco Maia e Sarney ainda estão na época do “jeitinho” e do “sabe com quem está falando?”.

Um absurdo emendado no outro

O encaminhamento da questão dos royalties desvenda claramente como as coisas funcionam no Brasil. Ou melhor: como não funcionam.

A maioria dos parlamentares pertence a estados não-produtores de petróleo. Aí o Congresso aprova uma lei que distribui os royalties equitativamente para produtores, que arcam com questões como, por exemplo, os riscos ambientais, e não-produtores, que não enfrentam esse tipo de problemas. Seria mais ou menos assim: bônus para todos e ônus só para alguns.

Até os contratos em andamento passam a ser distribuídos assim.

A presidente Dilma vetou esse e alguns outros itens.

O Congresso vai derrubar o veto. Houve uma tentativa de fazer isso no regime de urgência.

Um ministro do Supremo, Luiz Fux, concede liminar numa ação dos estados produtores de petróleo contra o regime de urgência. Detalhe: o ministro é do

Estado do Rio de Janeiro´o que se sente mais prejudicado pela possível derrubada do veto porque passaria a receber muito menos do que recebe, com justiça, hoje. E a indicação de Fux para o Supremo contou com o apoio político do governador do Rio, Sérgio Cabral.

Se até aí a coisa já anda toda torta, com cada um votando pelo interesse próprio ou regional e todos se lixando para o bem público e para o equilíbrio, e com o Congresso tendo uma visão – a de que pode pautar um veto pelo regime de urgência – e o ministro do STF tendo outra – a de que não pode – o pior ainda está por vir.

É que sem o regime de urgência, o veto da Dilma a esses artigos do projeto dos royalties cai numa vala onde estão mais de 3 mil vetos que esperam votação no Congresso.

Três mil!!!!!!

Se entrar na fila, nunca mais vai ser votado.

Na prática, esse absurdo dá poderes imperiais ao presidente da república de plantão:

Vetou, tá vetado. E fim de papo!

O sorriso de Dona Benedita

Fiquei com o sorriso da mãe do Joaquim Barbosa na cabeça. Negra, cabelo branco puxado num coque à moda antiga na cabeça, roupa prateada de festa e… aquele sorriso.

Dona Benedita.

Não é difícil imaginar os pensamentos e lembranças que se embaralhavam na cabeça dela na cerimônia de posse do filho.

Joaquim é o mais velho dos oito irmãos. Nasceu na década de 50 em Paracatu, no interior de Minas Gerais. Pai pedreiro e mãe dona-de-casa.

A trajetória de Paracatu até a presidência do Supremo está entre as mais bonitas da

história do país. Para qualquer brasileiro, quase inacreditável. Para Dona Benedita, devia estar parecendo um sonho.

Devem ter desfilado na cabeça dela momentos doces desde a amamentação até aqueles de ver o filho dormindo e dar uma arrumadinha na coberta, outra no travesseiro e na saída, um beijo na testa.

Ela deve ter sentido de novo toda a angústia e toda a insegurança dos momentos da separação do marido, quando o adolescente Joaquim passou a trabalhar e ajudar a sustentar a mãe e os irmãos mais novos.

E o orgulho de ver o filho ali, falando do país e sendo aplaudido pela presidente Dilma e tantos doutores…

Joaquim Barbosa já tinha entrado para a história pelo julgamento do mensalão, um marco jurídico e político.

Ontem agradeceu com simplicidade à “minha mãezinha”.

E Dona Benedita lembrou do que deu ao filho: “oração”. “Ele lutou por conta própria” disse ela.

É difícil de saber para que deuses ou que santos Dona Benedita direcionou as preces pelo filho.

Mas é fácil imaginar que tipo de oração ela murmurava ontem com aquele sorriso iluminado no rosto: agradecimento.

Três esferas de poder

Lula dizia que não sabia do mensalão que rolava solto do lado da sala dele. Só faltou jurar dando beijinho na mão. Depois passou a negar o mensalão. Nunca tinha existido. Era farsa. Invenção da oposição.

Agora que o esquemão de compra de votos parlamentares foi confirmado e condenado no julgamento do Supremo, Lula diz que a compra de votos no governo Fernando Henrique não foi investigada. Ah!!! Então existe mesmo essa coisa de compra de votos, presidente?

Pior: no governo dele, Lula não viu, mas no do antecessor, sim. A única explicação é evangélica: “É mais fácil ver um cisco no olho do vizinho que uma trave no próprio olho”.

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O candidato José Serra (PSDB) atingiu a marca de 45% de rejeição dos eleitores de São Paulo. Mesmo assim ganhou um beijo na boca de uma jovem na quinta-feira.

Serra não tem do que reclamar. Não costuma cumprir os mandatos que conquista nas urnas. Largou o Senado para ser ministro, a Prefeitura de SP para disputar o governo e o governo para tentar a Presidência.

Pelo jeito, vai se cumprir a definição mais criativa do inferno astral do tucano, do colunista José Simão: “A rejeição do Serra vai ganhar no primeiro turno”

***

Faz tempo que a entrada de Santos virou problemão. Todo dia tem congestionamento. Agora o prefeito diz que tem um “projeto conceitual” para a nova entrada e que vai mandar de novo esse projeto para o governo estadual.

João Paulo Papa foi presidente da CET no primeiro mandato de Beto Mansur (97-2000). Foi vice-prefeito e secretário de Planejamento na segunda gestão de Mansur (2001-2004). Está há quase 8 anos como prefeito.

16 anos depois, um projeto “conceitual”? O que será que os motoristas que sofrem nos congestionamentos pensaram dessa história?

A lei e a crença

Aconteceu no programa Roda Viva, da TV Cultura. O convidado era um ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Alberto Direito.

Na época, 2008, estava sendo discutida no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil.

O país tinha se tornado o primeiro da América Latina e o 26º no mundo a permitir esse tipo de pesquisa.

A Igreja Católica defendia a proibição com o argumento de que já existe vida naquele pequeno grupo de células.

O ministro se apresentou no programa de TV com um crucifixo católico sobre a camisa, na altura do peito. Um crucifixo grande.

Não precisava nem falar. A imagem não deixava nenhuma dúvida sobre a posição dele no debate. E sobre o voto dele no Supremo.

Alguns dias depois ele pediu vistas no processo, ação utilizada normalmente para retardamento e esfriamento da questão nos meios de comunicação.

O exemplo desvenda uma questão que merece ser discutida com profundidade no Brasil: a tentativa de imposição de crenças religiosas ou políticas – pessoais ou de grupos – sobre toda a comunidade.

Você é pessoalmente contra o aborto? Ótimo. Concordo em gênero, número e grau com você. Acho o aborto um crime horroroso. Só que isso não nos dá o direito de impor a proibição para toda a nação.

Não tem cabimento.

É preciso tratar o problema do ponto de vista da saúde pública. Do ponto de vista social. É preciso respeitar a opinião de quem não tem, como você e eu, essa crença.

Como não tem cabimento, também, aceitar imposições evangélicas contra a educação sexual nas escolas num país com os índices africanos de gravidez adolescente e exploração ou abuso sexual de crianças que nós apresentamos em pleno século 21. Ou contra a união de casais homoafetivos.

Estender a crença pessoal para o social dá origem ao preconceito. E o preconceito aponta numa única direção: a do atraso.

Supremo e provisório

Na Matemática, todo conjunto não-vazio de números reais limitado superiormente possui um supremo. O oposto matemático do supremo é o ínfimo.

Na Língua Portuguesa, provisório é aquilo que é temporário. Precário, em alguns casos. O contrário de provisório é definitivo.

Supremo Tribunal Federal, portanto, no conjunto das instâncias judiciárias, representa o topo. O limite superior. Decidiu, está decidido. Nada, ninguém tem poder suficiente para contestar a decisão.

E a medida provisória, monstrengo que substitui a lei de um jeito torto, tem validade limitada. Na Constituição, 60 dias.

Como se pode entender, então, a decisão do Supremo que consolida a maneira de governar o Brasil com medidas provisórias?

A descoberta aconteceu por acaso. Nesta semana o Supremo teve um dia despojado da sua supremacia. Voltou atrás numa decisão. Tinha considerado inconstitucional uma MP que criou um instituto em 2007 porque ela tinha sido aprovada diretamente pelo Senado e pela Câmara. A Constituição determina que a medida passe por uma comissão mista das duas casas.

Foi o que bastou para o governo Dilma entrar em polvorosa. Barata voou na Esplanada dos Ministérios.

Isso porque outras 450 medidas provisórias em vigor estão na mesma situação. Não passaram pela tal comissão mista. E outras 50 estão tramitando no Senado ou na Câmara. E já valendo como lei enquanto não são aprovadas.

Tradução: 500 dispositivos legais em vigor são medidas provisórias. Quinhentos… Uma boa parte das normas que regem a vida do país é, portanto, não-definitiva. Precária. Ainda mais grave: governo e Congresso não obedecem a norma constitucional na aprovação dessas MPs. Rasgam a Constituição.

O governo pressionou e o Supremo voltou atrás. Em nome de uma coisa que chamam de “governabilidade” também rasgou a Constituição que devia fazer cumprir.

A tal governabilidade se apresenta, assim, cada vez mais provisória. E o Supremo, nesse episódio, se apresenta definitivamente como ínfimo.

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