Roupão vermelho
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Passava um pouco das onze e meia da manhã. Era quinta-feira, ontem, dia útil para os não-aposentados ou não-privilegiados que vivem da renda de aplicações ou aluguéis. O sujeito, lá de seus cinquenta e muitos anos, cabeleira grisalha, esperava, no canteiro central da avenida da praia, em Santos, o sinal fechar para atravessar. Devia estar voltando para casa depois de tomar um sol, um banho de mar ou de dar uma caminhada.
Até aí, tudo nos conformes. O que chamava a atenção era a roupa dele: um roupão vermelho-púrpura, atoalhado, desses de saída de sauna. Espalhafatoso. Não é comum ver um marmanjo na rua com um robe desses. Eu, pelo menos, nunca tinha visto.
Lógico que Raul Seixas já decretou lá pelos anos 80: “Se eu quero, se você quer, tomar banho de chapéu, ou esperar Papai Noel… Faça o que tu queres pois é tudo da lei”.
O roupão vermelho do grisalhão está perfeitamente dentro da lei do Raul Seixas.
Fiquei imaginando a mesma cena nos anos 50 a 70. O trânsito, que naquela época ainda era civilizado, certamente ia parar. Neguinho ia pensar que o sujeito tinha descido de um disco voador.
O mundo mudou. Nesse ponto, para muito melhor. As liberdades individuais foram se impondo socialmente.
Os homossexuais, pelo menos uma grande parte, saíram do armário. Imagine só naquele tempo uma Parada do Orgulho Gay… As mulheres solteiras e separadas têm lugares nas cidades grandes onde podem ir buscar parceiros sexuais casuais de acordo com as preferências: garotões ou grisalhões como o do roupão vermelho. E tem também as possibilidades de emparceiramento virtual dos sites de relacionamentos.
Para quem já passou dos 60, a dificuldade não é só acompanhar a evolução da tecnologia, não. A mudança dos costumes é tão ou mais difícil de acompanhar do que a dança dos botões.
Saias curtíssimas das filhas e netas, baladas que começam depois da meia-noite, namorada e namorado que dorme no quarto do filho ou da filha, isso quando não é a namorada da filha ou o namorado do filho…
Os sobreviventes da primeira metade do século passado sofrem…
Ou então relaxam e se adaptam: vestem um roupão vermelho-púrpura e saem por aí…