Blog do Paulo Schiff

Ideias e Opiniões sobre o cotidiano.

Arquivo para o mês “agosto, 2012”

Roupão vermelho

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Passava um pouco das onze e meia da manhã. Era quinta-feira, ontem, dia útil para os não-aposentados ou não-privilegiados que vivem da renda de aplicações ou aluguéis. O sujeito, lá de seus cinquenta e muitos anos, cabeleira grisalha, esperava, no canteiro central da avenida da praia, em Santos, o sinal fechar para atravessar. Devia estar voltando para casa depois de tomar um sol, um banho de mar ou de dar uma caminhada.

Até aí, tudo nos conformes. O que chamava a atenção era a roupa dele: um roupão vermelho-púrpura, atoalhado, desses de saída de sauna. Espalhafatoso. Não é comum ver um marmanjo na rua com um robe desses. Eu, pelo menos, nunca tinha visto.

Lógico que Raul Seixas já decretou lá pelos anos 80: “Se eu quero, se você quer, tomar banho de chapéu, ou esperar Papai Noel… Faça o que tu queres pois é tudo da lei”.

O roupão vermelho do grisalhão está perfeitamente dentro da lei do Raul Seixas.

Fiquei imaginando a mesma cena nos anos 50 a 70. O trânsito, que naquela época ainda era civilizado, certamente ia parar. Neguinho ia pensar que o sujeito tinha descido de um disco voador.

O mundo mudou. Nesse ponto, para muito melhor. As liberdades individuais foram se impondo socialmente.

Os homossexuais, pelo menos uma grande parte, saíram do armário. Imagine só naquele tempo uma Parada do Orgulho Gay… As mulheres solteiras e separadas têm lugares nas cidades grandes onde podem ir buscar parceiros sexuais casuais de acordo com as preferências: garotões ou grisalhões como o do roupão vermelho. E tem também as possibilidades de emparceiramento virtual dos sites de relacionamentos.

Para quem já passou dos 60, a dificuldade não é só acompanhar a evolução da tecnologia, não. A mudança dos costumes é tão ou mais difícil de acompanhar do que a dança dos botões.

Saias curtíssimas das filhas e netas, baladas que começam depois da meia-noite, namorada e namorado que dorme no quarto do filho ou da filha, isso quando não é a namorada da filha ou o namorado do filho…

Os sobreviventes da primeira metade do século passado sofrem…

Ou então relaxam e se adaptam: vestem um roupão vermelho-púrpura e saem por aí…

Gula e corrupção

Henrique Pizzolatto e Marcos Valério estão a caminho da condenação pelo Supremo no julgamento do mensalão. Corda no pescoço. Fico pensando na opção deles pela bandalheira.

Como será que começou?

Porque eles não nasceram corruptos. Numa certa altura da vida fizeram essa escolha. Talvez os primeiros desvios tenham sido pequenos. Uma propina para um agente de trânsito para evitar uma multa… Cinquenta reais na mão de um garçon para ser bem servido numa festa… Um pedido de uma comissãozinha para agilizar um contrato… Uma escalada. Quando caíram em si já estavam desviando milhões de reais de dinheiro público…  

Aí, quando chega nesse ponto, não tem mais volta.

A impressão que dá é que o mergulho de cabeça na corrupção é parecido com a gulodice.

Na gula, você não precisa daquele pedaço de doce a mais. Também não precisa do terceiro prato de feijoada. Nem de mais um pedaço de picanha na churrascaria. Ao chutar o balde, você sabe que vai ficar empanturrado. E que a sensação é péssima. Mas não resiste.

É evidente que a turma do mensalão, com cargos públicos, bons empregos, influência, não precisava dessa roubalheira. Mas…

A sensação de comer um prato bem preparado é ótima. É um prazer daquele momento. Existe um outro prazer, entretanto, contínuo, de todos os momentos, que é o bem-estar das pessoas que cuidam da alimentação e praticam atividade física. É mais sutil. Não é qualquer pessoa que alcança essa consciência.

Com a bandalha deve ser parecido. Na hora em que a maracutaia dá certo, o corrupto deve sentir um certo prazer. Mas aquele monte de dinheiro é como aquela pratada de torresmo a mais. A que empanturra. Aqueles que não caem nessa tentação,  cuidam da ética pessoal e se preocupam em adotar o comportamento decente, alcançam o outro bem-estar, aquele contínuo. No emocional e no espiritual.       

Marcos Valério, Pizzolatto, João Paulo Cunha e Cia Ltda não devem nem lembrar mais como é essa sensação…

Nova regulação portuária: velhos interesses em jogo

O governo federal manifestou a intenção de alterar a regulação do sistema portuário. Uma porque a Lei dos Portos, que privatizou a operação, completa 20 anos em 2013. Algumas adequações ao cenário atual precisam ser feitas. E outra que a dinâmica do comércio internacional também se modificou nesse período. O país precisa de investimentos em infra-estrutura em várias áreas para ganhar competitividade. E uma dessas áreas é a dos portos. A nova regulação precisa abrir caminho para esse fluxo.

Vários estudos foram promovidos para subsidiar essas modificações. E agora estamos em plena temporada de opiniões, palpites e puxadas de brasa para a própria sardinha. É natural. São vários setores envolvidos na movimentação portuária de cargas e cada um deles tem interesses específicos. 

No meio desse cruzamento democrático de idéias e argumentos, entretanto, é preciso baixar a poeira para que a questão ganhe a visibilidade técnica e política necessária para embasar decisões equilibradas e sensatas.

Uma das idéias que está no ar é a de que a exigência de carga própria no Decreto 6620 inibiu a implantação de novos portos e terminais.

O Decreto foi instituído pelo Governo Federal, por meio da Secretaria Especial de Portos, para disciplinar a concessão de novas estruturas portuárias no Brasil em 2009. Pelas regras, as empresas interessadas em implantar as instalações devem comprovar a existência de carga própria, exigência considerada inviável por alguns investidores. A futura empresa operadora tem de fazer também os estudos de viabilidade ambiental e, depois, pedir a realização de licitação para a concessão.

Acontece que a exigência de carga própria não foi instituída pelo 6620. Ela já faz parte da Lei dos Portos, no artigo 4º. Existe, portanto, desde 1993.

A queda de investimentos está ligada a vários outros fatores que vão desde o cenário internacional de crise até o prazo necessário para aprovação de projetos pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq. O período de tramitação de projetos portuários é diretamente proporcional aos cuidados com o ambiente que a legislação brasileira passou a exigir nas últimas décadas.

Também tem fundamento frágil atribuir a essa queda perfeitamente natural de investimentos neste período pós-crise um pior desempenho dos portos brasileiros no ranking do Fórum Econômico Mundial. Mesmo porque a avaliação internacional aponta problemas brasileiros muito mais agudos no ambiente de negócios do que na regulação de transportes.

É necessário apontar ainda como extremamente positivo o espírito de flexibilização que tem inspirado a regulação do setor portuário pela Antaq. Mas essa análise fica para o próximo texto, na quinta-feira.     

Cadeia Logística Segura

Nesta segunda-feira foi iniciado o transporte da primeira carga monitorada pelo sistema da Cadeia Logística Segura. Trata-se de carne de exportação, produzida no interior de SP e que vai ser embarcada em Santos.

A tecnologia é brasileira, desenvolvida pela equipe do Professor Eduardo Dias, do Departamento de Automação de Sistemas Elétricos e Portuários da Escola Politécnica da USP. Remédios e combustíveis também já têm sistemas prontos nesse projeto de plataforma aberta e de uso não-obrigatório.

Coragem – Parte Final

A coragem não é um conhecimento. É uma decisão. Assim terminou a primeira parte deste texto sobre a coragem, publicado ontem. Saber se uma coisa é temível ou não é muito diferente de enfrentar essa coisa se a ocasião se apresentar.

Isso porque, argumenta o autor, Sponville, do Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, “Toda razão é universal e toda coragem, singular. Toda razão é anônima e toda coragem, pessoal”.

Isso não significa que não exista a coragem intelectual. Existe. Trata-se da resistência a aceitar qualquer coisa que não seja a verdade. Mesmo sob tortura.

Quanto ao tempo da coragem, não existe dúvida. Como acontece com todas as virtudes, é exclusivamente o presente. O agora. Ter tido coragem no passado não garante que se vá ter neste momento. Nem no futuro.

E os limites da coragem? Ela se situa como um meio-termo entre a covardia e a temeridade. Saber enfrentar os perigos e as ameaças que devem ser enfrentados é tão importante quanto saber evitar os riscos que não temos necessidade de enfrentar à toa. O corajoso está equidistante do covarde e do fanfarrão.

Acreditar na possibilidade de sucesso reduz a dose de coragem necessária para um enfrentamento. Quanto mais improvável o êxito de uma empreitada, mais coragem ela requer. 

E, para finalizar, a relação da coragem com a humildade. Faz necessariamente parte do conjunto de virtudes do herói a humildade? Sim. Isso porque para todo homem, desde o escriturário magrinho avesso aos exercícios físicos até o Anderson Silva ou qualquer outro bombadão campeão de artes marciais, existe o que ele pode e o que não pode suportar. Assim, o fato de encontrar ou não, durante a vida, aquele risco em que ele vai ser abatido se tiver de enfrentar, depende de sorte. Na Guerra de Tróia, o maior dos heróis troianos, Heitor, encontrou pela frente Aquiles. Morreu. E este, quase invencível, também encontrou a morte numa flechada no calcanhar.

O herói lúcido sabe que depende, também, da sorte. Por isso é humilde. 

Coragem – Parte I

Já tinha ensaiado escrever aqui sobre a coragem. Já tinha comentado com você, leitora / leitor do DL, a impressão forte que a leitura desse capítulo do Pequeno Tratado das Grandes Virtudes produziu em mim.

Quero deixar claro que não se trata de plágio. A fonte original está creditada. É esse livro do francês André Comte-Sponville. Ele mesmo, aliás, cita outros filósofos e escritores que se debruçaram sobre o tema como Platão, Aristóteles, Voltaire e Spinoza.

Começo como ele, dizendo que a coragem é a mais universalmente admirada das virtudes. Mas que nem sempre é virtude. Pode ser usada para o bem e para o mal. Trata-se, portanto, de uma excelência e não de uma virtude, como a força e a inteligência. É encontrada nos grandes homens. Mas também nos grandes bandidos.    

Quando a coragem, então, é uma virtude? Quando ela está associada a atos desinteressados, generosos, altruístas.

E como definir a coragem? Não é a ausência do medo. É a capacidade de superar esse sentimento por uma vontade mais forte. Não é só uma questão de fisiologia. É a força da alma diante do perigo.

Qual a relação das outras virtudes com a coragem? Sem a coragem, elas seriam inúteis ou omissas. A pessoa justa, por exemplo. Se não tiver coragem, não vai ousar lutar pela justiça em que acredita.

Coragem existe só para enfrentar perigos e superar o medo? Não. Também para vencer a preguiça e a frouxidão. Perigo não é trabalho. Medo não é cansaço. Mas nos três casos o enfrentamento requer coragem, para superar o primeiro impulso, instintivo, que é o de preferir o repouso, o prazer ou a fuga.

E a relação da coragem com a verdade? Platão chegou a definir a coragem como “a ciência das coisas temíveis e das que não são”. Não é bem assim, contesta Sponville. A ciência dissipa medos pelo conhecimento. O homem moderno já não teme os eclipses porque sabe a explicação científica deles. Mas a coragem não é um conhecimento. É uma decisão.

Amanhã a gente continua desse ponto. E conclui. Até lá.

Arrogância e puxa-saquismo

O segundo gol do Santos na vitória contra o Corinthians no domingo na Vila Belmiro foi irregular. Os três últimos jogadores do Peixe que tocaram na bola no lance estavam todos impedidos.

O erro do auxiliar, ratificado pelo juiz, serve como referência – super –interessante, por sinal – para analisar a isenção dos meios de comunicação brasileiros.

O treinador corintiano teve um chilique na entrevista coletiva. O ex-craque Ronaldo, aposentado pelo excesso de peso, teve outro no Twitter. Um jornal esportivo abriu a manchete “Bandeira cego garfa o Timão”. E a Rede Globo tratou o episódio como um escândalo.

É curioso. Porque episódio bem parecido aconteceu no sentido inverso em 2010 e mereceu destaque, choque, manchetes e chiliques muito menores, na verdade inexistentes, dos mesmos envolvidos.

Jogavam, também na Vila, Santos e Corinthians. O jogo estava empatado por 2 a 2. Já nos acréscimos do segundo tempo o zagueiro Paulo André fez o terceiro gol corintiano em impedimento bem mais evidente que qualquer um dos três do Santos ontem. O erro influenciou de maneira mais decisiva o resultado porque não havia mais tempo para a reação. Mas não despertou nos mesmos personagens de ontem reações iradas e chiliquentas.

O comportamento reforça as suspeitas em relação a alguns meios de comunicação de puxa-saquismo da torcida corintiana, avaliada estatisticamente como a segunda maior do país.

No caso da Rede Globo, reforça também a percepção de comportamento arrogante e prepotente. O tal tira-teima é apresentado como infalível, coisa que não é real.

A velocidade de um jogador pode ser estimada, por baixo em 7,5 m/s. Um num sentido e o adversário em outro, (situação freqüente nos lances polêmicos) dá uma velocidade relativa de 15 m/s. Em um frame, medida equivalente a 1/30 (um trinta avos) avos de um segundo, a posição entre eles pode variar portanto 50 cm. E o contato do pé do jogador que lança (momento em que o impedimento é determinado) com a bola pode durar de 3 a 6 frames. A escolha, portanto, é do operador do tira-teima e o olho humano não percebe a diferença.

O bom-senso, entretanto, percebe perfeitamente bem quem é puxa-saco e quem é arrogante.

Cornetagem

Tem uma teoria que credita ao Palmeiras a origem da expressão “cornetar”. Funcionários da fábrica de instrumentos musicais A Corneta, durante os intervalos de almoço costumavam ir para o Palestra Itália assistir aos treinos do time e davam muitos palpites. Esses os corneteiros originais.

A expressão se popularizou. Do futebol, se espalhou para outros esportes. E depois para outras atividades. Tem corneteiro político, médico, jurídico, empresarial, religioso, de tudo… A mania de cornetar se alastrou que nem praga. Ou seria hábito? Ou costume? Mas todo corneteiro de verdade, de qualquer assunto, fica bravo com a qualificação. Toma como ofensa. Diz que está bem intencionado e que o cornetado é que não sabe ouvir críticas, não tem humildade.

A cornetagem às vezes é engraçada. Mas quase sempre chata. Ela pode ser definida como uma opinião de leigo emitida com pretensão de verdade absoluta.

O torcedor é o corneteiro por excelência. O treinador convive todo dia com o jogador. Sabe se ele está bem fisicamente. Se tem algum problema pessoal. Se está preparado ou não para aquele momento. Trabalha com isso. Normalmente também já foi jogador. E aí um barrigudo qualquer, que nunca chutou uma bola, xinga o cara de burro porque a escalação do time está errada. Ou a tática. Aliás, não está só errada. Está absolutamente errada. Está na cara que está erradésima.

Ao corneteiro, falta humildade. Não consegue perceber que outra pessoa que lida diretamente com a questão pode ter acesso a uma infinidade de informações que quem está de fora não acessa. Tem uma postura de superioridade intelectual embutida na cornetagem. O corneteiro, com o conjunto de informações limitadas disponíveis para ele, acha que percebe coisas que o especialista no assunto não percebe.

Mais que isso, tem um certo desprezo pelo preparo que o estudo dá. O corneteiro atropela engenheiro, psiquiatra, filósofo, fonoaudióloga…

O pior é que às vezes, por alguma brincadeira do destino, ele acerta… E aí a gente tem de ouvir aquele insuportável “Eu não disse?”.

A gente vê mesmo por aqui?

A semana começa com algumas notícias que fazem a gente pensar:

1) Uma reportagem da revista Forbes traz uma conta escandalosa: “Com os R$ 179 mil que paga por um único Grand Cherokee, um brasileiro poderia comprar três, se vivesse em Miami”.

2) O delegado da Polícia Federal Luís Flávio Zampronha, que investigou o mensalão, chuta o pau da barraca: “O dinheiro não viria apenas de empréstimos ou desvios de recursos públicos, mas também poderia vir da venda de informações, extorsões, superfaturamentos em contratos de publicidade, da intermediação de interesses privados e doações ilegais”.

3) O general na reserva Maynard Marques de Santa Rosa, ex-secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa assusta: “Posso afirmar que possuímos munição para menos de uma hora de combate”.

Ou seja: os brasileiros pagamos impostos escandalosos porque uma boa parte da grana vai para esquemas corruptos – o que já estamos cansados de saber – e para sustentar estruturas que não estão habilitadas a desempenhar as funções a elas atribuídas, aqui o Exército – o que também já estamos carecas de saber.

O jornalista Kenneth Rapoza, da Forbes, escreve que, “no fundo, o consumidor brasileiro confunde preço alto com qualidade, e/ou atribui status a qualquer coisa que seja cara”.

O delegado diz que o mensalão “seria empregado ao longo dos anos não só para transferências a parlamentares, mas para custeio da máquina partidária e de campanhas eleitorais e para benefício pessoal dos integrantes”.

E o Exército que não agüenta uma hora de briga vai receber dos cofres públicos neste ano R$ 28 bilhões, dos quais 90% consumidos por salários.

Lembra do anúncio institucional que dizia: “Cidadania a gente vê por aqui?”.

Equivocado. No nosso estágio atual de democracia – ou de civilização – a definição correta seria:

“Precariedade a gente vê por aqui”.

Conceitos que grudam na alma

Tem conceitos que a gente aprende e leva como orientação para o resto da vida. Essas oportunidades de aprendizado podem se apresentar nas relações com outras pessoas. Ou em textos, filmes, letras de músicas… Mesmo que o(a) autor(a) tenha vivido em outra época.

De uns tempos para cá tenho tido vontade de compartilhar algumas coisas desse tipo que me acompanham.

Muita coisa aprendi com meu avô materno, João, trabalhador portuário e que chegou a ser presidente do Sindicato dos Empregados da Administração Portuária. Também com um tio argentino, Roberto, com o ex-prefeito de Santos, Oswaldo Justo, com um professor da Escola Politécnica, Darcy, entre outros. Todos eles costumavam expressar conceitos aprendidos mais nas experiências de vida do que na filosofia.

O livro “A Arte de Amar”, de Erich Fromm, que li pela primeira vez aos 20 anos, foi fundamental para formatar o meu entendimento do sentido da vida. O “Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, está na minha decodificação da realidade há mais de 20 anos.

Às vezes uma simples frase cai no espírito da gente e fica para sempre: “É Preciso Saber Viver”, de uma música do Roberto Carlos regravada pelos Titãs. “O que acontece entre uma dama e um cavalheiro pertence exclusivamente a ela e a ele”, ensinamento de discrição do livro “Os Três Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas.

Com Tolstói, aprendi que o homem público que pensa comandar os acontecimentos tem ilusão semelhante a de um surfista que pensa comandar o percurso da onda.

De um diálogo entre uma formiga e a boneca Emília, num livro de Monteiro Lobato, memorizei uma pergunta que me acompanha desde a infância: “Como pode um ser humano ser feliz com tanta infelicidade em volta dele?”.

A experiência de contato com um conceito que gruda desse jeito na alma da gente é sempre marcante. A mais recente, para mim, já abordada neste espaço, vem do livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”. O capítulo da coragem vale a pena compartilhar com você, leitora/leitor. Talvez amanhã, porque hoje o espaço já acabou. Até lá.

Os fins e os meios

O time espanhol de basquete enfrentou valentemente o imbatível Dream Team dos Estados Unidos na final olímpica de ontem. Mas ficou pairando sobre os espanhóis a suspeita derrota para o Brasil no último jogo da fase de classificação. O resultado era bem conveniente. Tirava do caminho da Espanha um possível confronto com os estadunidenses que poderia antecipar uma eliminação antes da final.

Houve também o reverso desse tipo de atitude em Londres. O time de vôlei feminino dos EUA tinha perdido a final olímpica de 2008, em Pequim, para as meninas brasileiras. Nesta olimpíada, no último jogo da fase de classificação, poderiam ter eliminado o time brasileiro. Bastava ter perdido um set a mais para a Turquia. Não fez isso. Ganhou o tal set e permitiu a classificação do Brasil. Resultado: as atletas dos EUA enfrentaram as brasileiras de novo na final. E perderam novamente.

De um lado, o dos espanhóis, a estratégia tomou o lugar do espírito esportivo. O aparente corpo mole contra o Brasil pavimentou um caminho viável até a grande final.

Do lado do vôlei dos Estados Unidos, o espírito olímpico puro. Jogou pela vitória e não pela estratégia.

As brasileiras reconheceram isso antes da premiação. Saudaram as adversárias antes de subir ao pódio.

Nesta nossa época de supervalorização dos resultados, é provável que a maior parte das pessoas aprove a atitude espanhola e recrimine a dos Estados Unidos. Outros vão dizer que o regulamento deveria adotar o critério de sorteio para evitar a possibilidade de resultados arranjados.

Estratégia ou espírito olímpico?

O dilema remete a uma das grandes questões que atravessam a vida da gente: vale qualquer coisa para atingir o objetivo? Vale a pena atropelar a ética? Ou, como se dizia no século passado:

Os fins justificam os meios?

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