As estatísticas burras da violência
No ano passado, em junho, em São Paulo, uma psicanalista de 53 anos chamada Lia Capasso quase perdeu a vida por causa de um relógio Rolex. Ela saía de um restaurante e ia entrar no carro – blindado – que estava estacionado bem pertinho. Não deu tempo. O assaltante chegou já informado do relógio. Alguém de dentro do restaurante – de luxo – deu o serviço. Ele tirou a arma do paletó e apontou para o rosto dela. Ela se assustou e gritou por socorro. Foi o que bastou. Levou um tiro no rosto. Caiu. O assaltante se abaixou, tirou o relógio e fugiu.
Lia foi socorrida. O sangue foi estancado pela blusa de uma moça solidária da rua. A Polícia Militar, acionada por outra moça pelo celular, chegou rapidamente e transportou a mulher baleada pela contramão numa avenida movimentada até um hospital. No dia seguinte às 11h00 as cirurgias terminaram no Hospital Albert Einstein, para onde ela foi removida.
O assaltante foi localizado pela PM e morreu no tiroteio. O relógio foi devolvido mas Lia nunca mais usou. Guardou num cofre. É presente de um filho.
O neto dela nasceu no dia seguinte ao tiro. E ela agradece ao anjo da guarda estar viva e podendo curtir a companhia da criança que, na definição dela, nascia enquanto ela renascia.
A vida de Lia virou um drama. Perdeu dois dentes, teve as duas faces perfuradas, ficou sem um pedaço do céu da boca. Não conseguia por um bom tempo mastigar. Dormia sentada porque deitada não dava para respirar.
Mas conservou a fala e capacidade de trabalhar.
Virou, mexeu, os meios de comunicação trazem estatísticas da violência. Assaltos e roubos aumentam ou se reduzem em 3,8 ou 7,2%. Números. Mortes por assassinato, também. Num trimestre diminuem e os policiais dão entrevistas. No outro aumentam e eles se escondem dos jornalistas.
Sempre que vejo essas estatísticas, lembro do caso da Dra Lia. No sofrimento dela, da família, dos amigos…
Por que esses números frios das estatísticas representam, cada um deles, dramas tão ou mais intensos do que o dela.
Por trás da frieza dos algarismos, tragédias, tristezas… sofrimento infinito