Blog do Paulo Schiff

Ideias e Opiniões sobre o cotidiano.

Arquivo para o mês “maio, 2012”

As estatísticas burras da violência

No ano passado, em junho, em São Paulo, uma psicanalista de 53 anos chamada Lia Capasso quase perdeu a vida por causa de um relógio Rolex. Ela saía de um restaurante e ia entrar no carro – blindado – que estava estacionado bem pertinho. Não deu tempo. O assaltante chegou já informado do relógio. Alguém de dentro do restaurante – de luxo – deu o serviço. Ele tirou a arma do paletó e apontou para o rosto dela. Ela se assustou e gritou por socorro. Foi o que bastou. Levou um tiro no rosto. Caiu. O assaltante se abaixou, tirou o relógio e fugiu.

Lia foi socorrida. O sangue foi estancado pela blusa de uma moça solidária da rua. A Polícia Militar, acionada por outra moça pelo celular, chegou rapidamente e transportou a mulher baleada pela contramão numa avenida movimentada até um hospital. No dia seguinte às 11h00 as cirurgias terminaram no Hospital Albert Einstein, para onde ela foi removida.

O assaltante foi localizado pela PM e morreu no tiroteio. O relógio foi devolvido mas Lia nunca mais usou. Guardou num cofre. É presente de um filho.

O neto dela nasceu no dia seguinte ao tiro. E ela agradece ao anjo da guarda estar viva e podendo curtir a companhia da criança que, na definição dela, nascia enquanto ela renascia.

A vida de Lia virou um drama. Perdeu dois dentes, teve as duas faces perfuradas, ficou sem um pedaço do céu da boca. Não conseguia por um bom tempo mastigar. Dormia sentada porque deitada não dava para respirar.

Mas conservou a fala e capacidade de trabalhar.

Virou, mexeu, os meios de comunicação trazem estatísticas da violência. Assaltos e roubos aumentam ou se reduzem em 3,8 ou 7,2%. Números. Mortes por assassinato, também. Num trimestre diminuem e os policiais dão entrevistas. No outro aumentam e eles se escondem dos jornalistas.

Sempre que vejo essas estatísticas, lembro do caso da Dra Lia. No sofrimento dela, da família, dos amigos…

Por que esses números frios das estatísticas representam, cada um deles, dramas tão ou mais intensos do que o dela.

Por trás da frieza dos algarismos, tragédias, tristezas… sofrimento infinito

Portuários à beira de um ataque de nervos

A Companhia Docas do Estado de São Paulo tem trajetória oposta à das privatizações da década de 90. Passou de empresa privada para a esfera pública em 1981. De lá para cá teve uma sequência de administrações montadas a partir de apadrinhamentos políticos. Com todas as consequências que esse tipo de direção acarreta.

Primeiro transformou-se num cabide de empregos. Depois vieram as quebras de continuidade porque presidentes e diretores eram trocados cada vez que o poder federal mudava de mãos. Mergulhou em alguns períodos na incompetência absoluta. Ou seja: caminhou para um buraco negro.

Durante o primeiro mandato do presidente Lula, a quizumba atingiu o ponto máximo. Os cargos foram todos loteados entre parlamentares que apoiavam o governo. O presidente se reportava ao notório deputado federal Valdemar da Costa Neto, que se enrolou todo no comecinho do mensalão. Cada diretor tinha um padrinho diferente. Chegou a haver um episódio em que um diretor combinou durante o dia com um prefeito da Baixada uma reunião no Ministério dos Transportes em Brasília no dia seguinte e à noite desmarcou por ordem do deputado responsável pela indicação dele para o cargo. E o assunto da reunião era não só importante como urgente…

O período foi tão turbulento para o Porto que gerou a necessidade de uma rigorosa correção de rota.

No início do segundo mandato de Lula, essa guinada foi providenciada. Foi criada a Secretaria Especial dos Portos, comandada por um ministro – Pedro Brito – com perfil de gestor. E a diretoria das companhias docas em geral e da paulista em particular ganharam perfis técnicos.

O mercado, sensibilizado, agradeceu.

Imbroglios antiquíssimos passaram a receber tratamento técnico. Verdadeiras novelas mexicanas: avenidas perimetrais em Santos e em Guarujá, dragagem de manutenção e aprofundamento do canal de navegação, remoção dos destroços do navio grego Ais Giorgis, incendiado e naufragado em 1974, são algumas delas.

A direção da Codesp ganhou reconhecimento suficiente até para uma participação bem-sucedida na discussão da construção de uma ligação seca entre as duas margens do porto

O Conselho de Autoridade Portuária, nesse período, entrou em sintonia com essa postura de valorização da técnica. O secretário de Assuntos Portuários e Marítimos de Santos, Sérgio Aquino, profissional do ramo, foi conduzido à presidência do Conselho. E as duas instâncias estiveram, nesse período, falando a mesma linguagem.

Mas não existe bem que dure para sempre.

2012 é ano eleitoral.

Sérgio Aquino deixou a presidência do CAP para vestir a roupa de pré-candidato do PMDB à Prefeitura de Santos. Foi substituído pelo secretário de Planejamanto da cidade, Bechara Abdalla. Que está na mesma frequência política do antecessor de quem era colega no secretariado do prefeito Joaõ Paulo Papa. Mas que não tem a mesma familiaridade com a atividade portuária.

E agora é o presidente da Codesp, José Roberto Serra, que está ensaiando para deixar o cargo.

O mercado, preocupado, tem acendido velas de sete dias. Afinal, em ano eleitoral, o risco de mais nomeações políticas fica multiplicado.

Apego e desapego

Acontece um fenômeno interessante com esse par de palavras. Um fenômeno que não é exclusivo delas. Mas que é muito marcante nelas. Marcante. Mas de maneira extremamente sutil e difícil de perceber.

O verbete apego, no sentido em que a gente normalmente usa, está definido no dicionário Aurélio como “inclinação afetuosa, afeição”.

 Até aí tudo bem. Mesmo que seja preciso reconhecer uma utilização moderna um pouquinho diferente para essa palavra. Alguma coisa que pode ser definida como “dificuldade de separação”. E que se estende dos laços afetivos com outros seres vivos também para a relação com bens materiais.

O verbete relativo à palavra desapego, como era de se esperar, traz “falta de apego, de afeição; desamor” O prefixo “des” tem mesmo muitas vezes essa função de perda de algum atributo representado pela palavra que vem depois dele: desalojar, desânimo…

Desalojar é tirar alguém de uma situação de alojamento. Desânimo é a perda do ânimo.

A questão interessante é que desapego tem também um outro sentido que não é o da perda do apego. É o da ausência do apego. A diferença é sutil. Mas real. Ninguém pode perder o que nunca teve. E é muito comum ouvir alguém se auto-definir ou definir uma terceira pessoa como “desapegada”.

Para os mais alternativos, trata-se de um elogio. A pessoa é vista subliminarmente, nessa interpretação, como “desapegada” de bens materiais porque dá mais valor a outras questões menos concretas e menos mesquinhas.

Para os mais antenados na competição do mercado, o desapego é entendido como crítica. Os melhores salários servem justamente para desfrutar as coisas mais caras: roupas de grife, viagens para paraísos turísticos, hotéis de quarenta estrelas, automóveis luxuosos, vinhos refinados… O desapego aqui é visto quase como doença, no mínimo uma inadequação ao padrão de consumo superlativo atual.

Esse sentido de um apego que nunca houve está traduzido no Aurélio como “desinteresse, indiferença”.

Mas não é bem isso. É, na verdade, a colocação de algumas coisas num patamar abaixo daquele em que está o que a pessoa realmente valoriza.  

O apego e o desapego dizem muito de qualquer pessoa.

Tanto para os alternativos quanto para os antenados vale essa expressão adaptada:

“Dize-me ao que não te apegas e te direi quem és”.

Bordel

Informações que circulam nos meios de comunicação nesta semana:

  1. O advogado Márcio Thomaz Bastos defende o bicheiro Carlinhos Cachoeira no processo baseado em inquérito da Polícia Federal com escutas telefônicas que chacoalharam o país. Honorários de R$ 15 milhões. Na época das investigações ele estava ministro da Justiça. Chefão, portanto, da Polícia Federal. O jornalista Melchíades Filho traduz com perfeição: “Lidera a polícia para, mais tarde, socorrer os incriminados”.

  2. O ex-presidente Fernando Collor está como parlamentar investigador na CPI do referido bicheiro. No papel novo, de acusador, diz ter havido “atuação criminosa” do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pela demora em abrir inquérito para investigar a ligação de Demóstenes Torres com Cachoeira em 2009 (o procurador já explicou que entendeu como melhor opção continuar a investigação para colher mais evidências, o que realmente aconteceu). Gurgel é marido da subprocuradora Cláudia Sampaio. E foi justamente ela que transformou Collor em réu numa ação no Supremo decorrente das investigações de rolos dele na época do impeachment.

  3. O presidente Lula teria feito uma tentativa de chantagem contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo. O ministro diz que Lula teria insinuado uma blindagem dele na CPI do Cachoeira (há rumores de uma viagem suspeita de Gilmar Mendes a Berlim) em troca do adiamento do julgamento do mensalão que, contra todas as evidências, o ex-presidente diz nunca ter existido. Há o entendimento de que o julgamento neste ano prejudica muito as pretensões do PT de Lula nas eleições.O detalhe nesta história horrorosa é que essa conversa que nunca deveria ter acontecido foi articulada por Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo e ex-ministro de Lula, e realizada no escritório dele.

O denominador comum nas três notícias é a promiscuidade. É verdade que nada se espera desses personagens todos em termos de comportamento ético. Isso fica para uma próxima geração de políticos, advogados, ministros…

Mas mesmo assim, a sensação é de que a coisa degringolou de vez. Promiscuidade assim, nem em bordel de quinta categoria…

Jambolão

As calçadas do Canal 3, em Santos, estão salpicadas de roxo. Obra do jambolão. O frutinho, pequenino, é terrível para manchar tecidos, pinturas de automóveis e até o chão onde cai. Esmagado por sapatos, bicicletas e automóveis, espalha a tinta que depois é difícil, muito difícil de tirar.

O jambolão é uma espécie originária da Índia. Lá é até sagrado como a vaca. Porque na tradição hindu, o deus Rama alimentou-se somente desta fruta na floresta por 14 anos durante o seu exílio de Ayodhya. Krishna e outros deuses do hinduísmo também são descritos como tendo a pele da cor do jambolão.

No Brasil é conhecido por muitos nomes. Na wikipedia tem jamelão, jalão, joão-bolão, manjelão, azeitona-preta, baga-de-freira, brinco-de-viúva e guapê. Isso sem contar o nome científico: Syzygium Cumini. E ainda tem mais: kambol, jambú, azeitona-do-nordeste, ameixa roxa, murta,  jambuí…

Você, quando passava pelo Canal 3 ou por outra rua do nosso litoral sombreada por jamelões, imaginava estar pisando num fruto sagrado?

Os portadores de diabetes conhecem o jambolão. O chá e o extrato, dizem, ajudam a reduzir o nível de glicose no sangue. Esse efeito é conhecido há mais de um século. E as pesquisas atuais realizadas em cobaias confirmam essa propriedade.

Você já deve ter visto muita gente mal-humorada por causa de mancha provocada por jambolão na roupa e principalmente em pintura de automóvel.

Quem não reclama são os pássaros. Além de comerem o frutinho, adoram as árvores, que chegam a 10 e até 15 metros de altura, para fazer ninhos. Não se sabe também, apesar dessa mania atual de bebedouros com água açucarada, de casos de pássaros com diabetes.

Muitos urbanistas rabujentos também desaconselham o jambolão como árvore urbana.

Mas se você gosta de ter pássaros por perto, quebrando um pouco essa aridez do chão impermeabilizado da cidade e das torres de 30 andares que se multiplicam por todos os lugares, não deve ligar para essa reclamações.

Faça um brinde para os pássaros e para os jambolões.

Caldeirão racial

O jornalista brasileiro escuta uma pergunta surpreendente:

“Você pode me ajudar a conseguir um visto para o Brasil?”.

O técnico em computação Diaa el Sherbiny está desolado com o resultado da eleição no Egito.

Ele e outros milhares de jovens que lutaram para derrubar o ditador Hosni Mubarak.

E que agora estão horrorizados com o segundo turno entre um fundamentalista islâmico e um aliado do ditador derrubado.

Num passado recente, essa frase não teria o Brasil como destino escolhido por um jovem egípcio. A Europa ou os Estados Unidos representavam os sonhos de consumo dos excluídos ao redor do mundo.

A Europa hoje enrolada numa crise interminável ainda tem qualidade de vida infinitamente superior à brasileira. Mas maltrata imigrantes. Não oferece oportunidades. Discrimina.

Nos Estados Unidos de Barack Obama árabes são escorraçados. O trauma de 11 de setembro ainda não passou. O país também tem a tradição de isolar imigrantes, É o multiculturalismo que convive apenas tolerando.

O Brasil, enquanto isso, é o país onde um retirante se tornou presidente. A terra das oportunidades.

Para um egípcio que luta por liberdade de expressão, a democracia brasileira, vista de longe, deve representar o paraíso. Só pela internet sem censura já valeria a pena cruzar o oceano, pensa o jovem egípcio.

Sexta economia do mundo, democracia estabilizada, a caminho de implantar uma transparência radical, auto-suficiente em petróleo e melhorando a distribuição de renda, o Brasil começa a ganhar o perfil do “país do futuro” com que era apresentado no século passado.

Talvez jovens egípcios e de outros países em crise ou vivendo regimes fechados e repressivos comecem mesmo a migrar para cá.

Daí vai se tornar importante manter o nosso tradicional pan-humanismo, essa coisa de receber, integrar e misturas etnias e crenças num mesmo caldeirão.

Mas essa já é uma outra discussão que fica para um outro texto.

Os critérios da CET

Quem está envolvido nem percebe. Mas para quem está de longe fica muito estranho. Incompreensível.

São dois episódios envolvendo a Companhia de Engenharia de Trânsito de Santos –  CET.

O primeiro episódio é o do sumiço de peças e de veículos nos pátios da empresa. O escândalo foi detonado por um leitor daqui do DL que denunciou um caso acontecido com ele. Não se trata do desaparecimento de um ou dois carros e duas dúzias de peças. São dezenas de automóveis. Teve até leilão de carro remontado com peças roubadas.

Os pátios eram administrados por uma empresa chamada Martha’s. Primeiro o presidente da CET, Rogério Crantschaninov, tentou minimizar o caso e manter o contrato da Martha’s. Depois desistiu dessa insensatez e o contrato foi revogado.

Neste caso, apesar da empresa ter tido a imagem transformada em casa-de-maria-joana, ninguém até agora foi punido.

Já no final do ano passado, houve críticas à empresa postadas por funcionários nas redes sociais. Algumas das críticas, inclusive, justíssimas. Porque o foco era justamente essa negligência, esse desleixo ou essa conivência com a empresa que tomava conta dos pátios como se fosse uma raposa cuidando de um galinheiro. Outras com relação à manutenção e limpeza dos  vestiários.

Além das críticas, também foi postado no facebook um incentivo para a doação de sangue no final do ano para que os funcionários escapassem do plantão da operação especial do reveillón.

Neste caso, houve agilidade da direção da CET. Os funcionários já estão todos punidos. Alguns, inclusive, com demissão com ou sem justa causa.

Para quem olha de longe, fica super-estranho. Porque no episódio grave, a punição demora. Será que um dia vai chegar? Já no caso das reclamações no facebook, punições duras e rápidas.

Será que para a direção da CET de Santos postar críticas em uma rede social da internet é crime mais grave do que fazer ou deixar desaparecer dos pátios da empresa peças e veículos?

A leucopenia e o sentido do vento

A história é tão bonita que merece ser compartilhada. Aconteceu nos anos 80. Um engenheiro da Usiminas (na época Cosipa) teve constatada no exame de sangue uma queda no nível de leucócitos. Passou a monitorar o índice em novos exames. O monitoramento indicou que o processo era progressivo.

O diagnóstico, qualquer leigo conhecia: leucopenia. O desfecho, também: aposentadoria por invalidez. O benzeno da usina não perdoava ninguém.

Muita gente olhava essa situação como uma bênção. Ele não. A última coisa que passava pela cabeça dele era parar de trabalhar. Só que era complicado. Nenhum tratamento conhecido permitia ao leucopênico conviver com aquele maldito benzeno no ar.

O engenheiro lembrou da infância em Minas Gerais. De dia, os pescadores usavam o vento que soprava para a terra para sair para o trabalho. À noite, aproveitavam o vento no sentido contrário para voltar.

Essa inversão do sentido do vento inspirou a ele uma tentativa. De dia, reduziu a quase zero as atividades que exigiam esforço dentro do espaço físico da usina. Concentrou os esforços na mesa de trabalho. Deixou de caminhar pela usina. Passou a usar exclusivamente o elevador e nunca mais subiu ou desceu escadas. Chegava, sentava, trabalhava, Levantava e ia embora. Até o lugar no estacionamento passou a ser o mais perto possível da sala dele.

À noite, depois do trabalho, longe da usina, sem nenhuma molécula de benzeno por perto, passou a malhar. Academia de musculação, corridas na esteira, corridas na rua… O máximo de atividade física possível em nível saudável em ar puro como o da beira da praia em Santos.

Um mês e meio depois, o milagre: começou a reversão do processo. O nível de leucócitos no sangue subiu. A ameaça de leucopenia foi afastada. Ele continuou trabalhando.

Os médicos disseram a ele que não havia nenhuma indicação, nenhum registro científico, em nenhum lugar do mundo, de um tratamento parecido. Muito menos, bem-sucedido.

Mas, além dessa mudança de postura, ele não tinha mudado nenhum hábito. Permanecia o mesmo período diário na usina. O nível de benzeno no ar continuava igual. Não mudou a alimentação. Nem o sono. Até o uniforme que ele vestia era o mesmo.

Só tinha aproveitado, à noite, o vento em sentido contrário ao do dia.

A lei e a crença

Aconteceu no programa Roda Viva, da TV Cultura. O convidado era um ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Alberto Direito.

Na época, 2008, estava sendo discutida no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil.

O país tinha se tornado o primeiro da América Latina e o 26º no mundo a permitir esse tipo de pesquisa.

A Igreja Católica defendia a proibição com o argumento de que já existe vida naquele pequeno grupo de células.

O ministro se apresentou no programa de TV com um crucifixo católico sobre a camisa, na altura do peito. Um crucifixo grande.

Não precisava nem falar. A imagem não deixava nenhuma dúvida sobre a posição dele no debate. E sobre o voto dele no Supremo.

Alguns dias depois ele pediu vistas no processo, ação utilizada normalmente para retardamento e esfriamento da questão nos meios de comunicação.

O exemplo desvenda uma questão que merece ser discutida com profundidade no Brasil: a tentativa de imposição de crenças religiosas ou políticas – pessoais ou de grupos – sobre toda a comunidade.

Você é pessoalmente contra o aborto? Ótimo. Concordo em gênero, número e grau com você. Acho o aborto um crime horroroso. Só que isso não nos dá o direito de impor a proibição para toda a nação.

Não tem cabimento.

É preciso tratar o problema do ponto de vista da saúde pública. Do ponto de vista social. É preciso respeitar a opinião de quem não tem, como você e eu, essa crença.

Como não tem cabimento, também, aceitar imposições evangélicas contra a educação sexual nas escolas num país com os índices africanos de gravidez adolescente e exploração ou abuso sexual de crianças que nós apresentamos em pleno século 21. Ou contra a união de casais homoafetivos.

Estender a crença pessoal para o social dá origem ao preconceito. E o preconceito aponta numa única direção: a do atraso.

Regime de engorda liberado

Dilma Roussef bateu o martelo e Guido Mantega anunciou nesta semana medidas para estimular o consumo. Como quase sempre, a isenção de impostos beneficia o setor de veículos: automóveis, caminhões e ônibus.

Quando Lula adotou medidas parecidas contra a crise-marolinha, a indústria automobilística também foi a beneficiada. E os cigarros foram sobretaxados.

Reduzir imposto funciona para elevar o consumo de determinado produto. Aumentar, para inibir.

Essa gangorrinha tributária também pode servir para ampliar o nível de liberdade, defende o psicólogo Geoffrey Miller no livro Darwin Vai às Compras.

Aqui neste espaço do DL e do meu blog este conceito também já foi abordado algumas vezes.

É simples. A pessoa é livre para fumar que nem uma chaminé? É. Mas quem arca, depois, com o custo do tratamento das doenças de pulmão que ela vai contrair? O Sistema Único de Saúde? Resposta positiva significa que saiu dinheiro do bolso de todos, via impostos, para cobrir hospital, médicos e remédios.

Ou seja, a pessoa não é tão livre assim na hora de usar o isqueiro para acender o cigarro, o charuto, o cachimbo. Quem paga a conta depois tem o direito de questionar. Se o custo do tratamento está no imposto do cigarro, aí, não. Aí a liberdade do fumante passa a ser completa. Pode fumar o salário todo (dentro dos territórios permitidos pelo José Serra) que ninguém tem direito de reclamar.

A perseguição ao tabagista está ensaiando em se estender aos gordos. Obesidade já está na lista das doenças de saúde pública. Tem gente que já fala em epidemia. E o bulliyng e o preconceito avançam rapidamente contra o sobrepeso.    

A solução para liberar geral os regimes de engorda talvez esteja em calcar imposto em cima da picanha, do joelho de porco e do brigadeirão.

Aí neguinho pode se entupir no rodízio da churrascaria que ninguém vai poder reclamar. Se algum chato arriscar, é só sacar a plaqueta do cardápio:

Ministério da Saúde adverte:

“Tratamento contra diabetes e hipertensão incluído no preço”.

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